Um dia desses aí, num faz nem uma semana, a querida Luh Souza propôs reflexão através de uma frase do filme “O Fabuloso Destino de Amelie Poulain”, que tanto ela quanto eu guardamos em cantinhos quentinhos desses corações tão cheios. “Uma mulher sem amor murcha como uma flor sem sol.” Entrei na conversa por lá, soltei o que tinha que soltar, mas essa frase continuou a me encasquetar – então é meio que meu momento de explorar as metáforas de jardinagem pra dessa aí discordar.
Pra começar, por que essa fala se refere tão diretamente à mulher, especificamente? Um homem também não vai murchar sem alguém para amá-lo? Por que somos sempre vistas e expostas como incompletas, semi plenas? Levando em consideração que a versão heteronormativa é sempre a que é esperada em um discurso, conclui-se que uma mulher sem um HOMEM é insuficiente. Mas isso não é verdade. A sociedade nos ensinou que sim, é claro, mas não é, não. Cara, a gente é suficiente pra caramba, tá?
Longe de mim criticar Amelie Poulain. Principalmente porque, quando o assunto é amor romântico, rever esse filme foi o empurrão que eu precisava pra correr atrás de experiências maravilhosas. Foi ele que me ensinou de vez que eu não tenho ossos de vidro, posso aguentar os baques da vida e que se deixar passar certas chances, com o tempo meu coração pode ficar seco e quebradiço como o esqueleto de Duyfael. Essa citação já me caiu como uma luva e faço questão de “presentear” as pessoas que também podem fazer bom uso dela. Mas, cá entre nós, a gente não precisa concordar 100% com todos os aspectos de uma obra, né? E quanto à flor sem Sol, é, tenho lá minhas ressalvas…
Veja bem, não estou e nunca irei me posicionar contra relacionamentos, ainda mais sendo uma pessoa extremamente romântica e sentimental: aquela que não “fica afim”, já se apaixona de vez (e haja dificuldade pra desapaixonar). Mas é engraçado, quando se diz que não é obrigatório que haja o envolvimento tem gente que já interpreta que tá praticamente proibindo, né? Pera lá, ninguém falou isso aqui! Um amorzinho, na verdade, é gostoso por demais! É incrível se ligar a alguém disposto a manter essa ligação também… Pode ser carinho, beijo, pode ser sexo, ser só hoje e também durar vários amanhãs, mas enquanto houver troca, eu não truco. Vale a pena ter, só que, independente do gênero, o deixar de ter não pode te invalidar.
Agora, e se a gente mudar o sentido da frase? Se for ampliar essa ideia de amor?
Aí a coisa já muda de figura, já passo a concordar. Se “fundamental é mesmo o amor, é impossível ser feliz sozinho”¹, que seja em todos os sentidos da palavra! Amar fraterno, a família, os parentes, aquele laço de sangue que nem sempre é a coisa mais importante do mundo, mas que pode ser, se for o caso. Amar amigo, alguém com quem você ESCOLHEU se enlaçar, que nesse momento cabe direitinho dentro da sua vida. Amar admirando, um ídolo que sequer conhece e quer bem mesmo assim, ou de forma empática, sentindo algo bom por aquele que sequer ama de verdade. E amar-amando, o(s) seu(s) “alguém”, que é diferente dentro todos os outros amores mas de intensidade igual, ou não. E além de e (talvez) acima de todos esses, o que tanto se ouve falar, o amor próprio. Esse SIM é o Sol.
Você é seu Sol, que não deixa esse jardim cheio de flores de si mesma sucumbir. Que aquece e fortifica, que causa suas fotossínteses particulares espalhando o que consegue de melhor produzir aí dentro. Os outros? Bem, eles são brisa. O que pega o terreno de surpresa, que sacode suas pétalas de prazer e faz o agito, que espalha polens de alegria de pra lá e pra cá. É tão importante pro crescimento do jardim quanto o Sol, só não é – nunca – MAIS importante do que ele. E isso inclui o amar físico que, cá entre nós, é uma senhora brisa, ai que brisa de delícias!
¹ Tom Jobim. Wave. Wave. Santa Monica: A&M Records, 1967. Faixa 1.
Samira Oliveira
Estou chocada de mais para se quer achar palavras. Você falou tudo falou do jeito mais lindo o que eu tava pensando – com raiva – outro dia sobre amor, sobre pq a meta da nossa vida “tem” que ser ele. Amei as metáforas também você arrasou! Quero inclusive colar esse texto no meu guarda roupa!
Luana Souza
Não tenho palavras para descrever o quanto amei esse texto. Depois que li Harry Potter, passei a valorizar muito mais o amor em todos os sentidos da palavra (fraterno, próprio, romântico…). Mesmo achando a frase do filme da Amélie um tanto poética, também acho que ela deveria ser encarada dessa forma: que todo mundo precisa de amor, não só as mulheres! 🙂