Se existe uma coisa que se tornou símbolo dos últimos 16 meses é a máscara de proteção. Algumas pessoas tiveram pesadelos em que chegaram em lugares e descobriram que estavam sem, outras se recusaram prontamente (e irresponsavelmente) a adotar e, no fim das contas, estranho pra mim vai ser quando chegar a hora de sair sem elas… Usei as cirúrgicas, passei pra de pano com tripla camada e agora tenho minhas PFF2 cor-de-rosa das quais não abro mão. Acho até engraçado quem vai bater foto fora de casa e tira a máscara pra isso – quéde o registro de momento, gente? Faz parte da nossa vida agora, ‘bora deixar a mensagem pra posterioridade! E foi pensando mais ou menos nisso que o Libertas Coletivo de Artes se juntou à Exposição Coletiva MascarArte, dando novo significado a algo que, assim como a arte, é extremamente necessário, ainda que incômodo em alguns momentos.
E não desejei mais minhas máscaras, por Gisele Moura
Composta de obras feitas por 43 artistas do Coletivo, todas usando máscaras brancas como suporte para passar sua mensagem de cuidado, atenção e esperança. A ideia é justamente usar arte como registro histórico da humanidade, tentando levar à vida de artistas e expectadores força para se manter com coragem e resiliência quando mais parecem faltar. As intervenções foram feitas respeitando o estilo de cada participante, desde algumas propositalmente deixando o tecido branco à mostra até as que criaram todo um novo objeto através dele. O sucesso foi tamanho que agora ela conta também com mais 20 artistas independentes, todos seguindo o mesmo conceito.
Espaço vibracional d’après Kandinsky, por Letícia Pinto
Como toda ação do tipo, o movimento MascarArte só foi possível graças ao time de colaboradores, responsáveis pelas máscaras, molduras, espaço para exposição, registro fotográfico e em vídeo. A expografia ficou por conta dos artistas Marcos Esteves (criador do projeto) e Paulo Apgáua, que junto com Rafael Abreu fizeram também a curadoria das obras. Trabalho em equipe em todos os detalhes! Uma coisa que observei também, uma vez que produzo conteúdo ensinando história da arte através das mulheres artistas lá no Vênus em Arte, é que existe equidade de gênero excelente no projeto, inclusive com uma leve maioria de trabalhos femininos. Isso não é tão comum quanto deveria, mas aos poucos as minorias políticas estão ganhando o espeço que devem ter, ainda bem!
Árvore da Vida, por Cristina Haibara
A exposição MascarArte nasceu no bairro Santa Tereza em Belo Horizonte, conhecido pela boemia e manifestações artísticas, passou pela cidade de Nova Lima, na Grande BH, e foi também para o Ponteio Lar Shopping na capital, focado principalmente em lojas de casa e decoração. Atualmente as obras estão expostas na vitrine da Mobília Soluções, que fica na Av. do Contorno, 6241. Assim que sair de lá irá para um novo destino, que provavelmente será o último, mas pode ser visitada também virtualmente no movimentomascararte.com/ , de onde as imagens que ilustram esse post foram tiradas. Lá é possível saber mais sobre a participação de cada um dos colaboradores e ver a autoria de todas as obras. O Libertas Coletivo de Artes está também no Facebook, Instagram e YouTube.
Quando pensamos em movimentos artísticos, normalmente vem em nossa mente conjuntos de obras que possuem características e meios de produção semelhantes, tentando se opor ao movimento anterior. Depois de uma quebra brusca nesse ciclo da história da arte ocidental através do Impressionismo, no fim do século XIX, artistas passaram a adotar cada vez mais posicionamento vanguardista, buscando estilo próprio condizente com suas necessidades ao se expressar. Com a última grande exposição impressionista em 1886, surgiu na França e espalhou-se pela Europa e outros países que a tinham como referência o Pós-Impressionismo, um conjunto de artistas que pintavam de formas diversas e ainda tinham pensamentos semelhantes ao movimento anterior, visando a quebra com a arte realista, romântica e clássica, sem limitar-se, porém, a retratar os efeitos da luz no momento que pretendiam retratar, passando até a usar contornos bem fortes e tornando-se cada vez mais mal vistos pela academia.
O contexto histórico no qual o pós-impressionismo estava inserido era o de uma sociedade bastante industrial. Um grande marco dessa época foi a Torre Eifell, que celebrava os 100 anos da Revolução Francesa em 1889 e consistia num monumento gigante feito de metal que demonstrava o quanto a estética preferida pelas pessoas vinha se transformando. Os principais artistas desse momento são Gaugin, Cézanne (dois grandes nomes do impressionismo) e Van Gogh, além do boêmio Henri de Toulouse-Lautrec, que com seus cartazes de cabarés foi um dos responsáveis pelo surgimento do design gráfico, dando à arte papel não apenas erudita e decorativo, mas também aplicado no cotidiano. Por mais que elas não estejam tão presentes em livros de história da arte quanto seus colegas, várias mulheres podem ser destacadas como fortes representantes do período, e eu selecionei 7 entre as mais notáveis para apresentar aqui hoje!
01) Suzanne Valadon:
Marie-Clémentine foi “rebatizada” como Suzanne Valadon por Toulouse-Lautrec, para quem modelou e com o qual viveu um romance. Foi modelo também de Renoir, inclusive em uma de suas principais obras, “Dança em Bougival”. Suzanne era filha de uma lavadeira em Montmartre, onde abandonou a escola para exercer vários trabalhos até juntar-se ao circo como acrobata. Lá conheceu artistas modernistas de grande nome na França, tornando-se modelo deles e, enfim, passando a desenhar e pintar observando-os fazendo o mesmo, recebendo muita influências do Simbolismo e do Pós-Impressionismo. Após casar-se em 1896, passou a viver como artista em tempo integral. Foi a primeira mulher na Sociedade Nacional de Belas Artes, sendo considerada uma grande transgressora e nome importante nos estudos de artes feministas. Morreu aos 72 anos e, como homenagem, teve seu nome dado a uma cratera no planeta Vênus, comumente ligado ao amor e à feminilidade.
Irmã mais velha da escritora Virginia Woolf, Vanessa Bell sofreu, assim como ela, abusos dos meio-irmãos durante a juventude, que causou a fragilidade mental de Virginia e fez com que ela vendesse a casa onde viviam depois da morte dos pais, mudando para Bloombury, onde as duas fundaram, junto com seus maridos e outros amigos, o Grupo Bloomsbury de artistas e escritores que rejeitava os hábitos burgueses da sociedade vitoriana. Casou-se com Clive Bell, com quem tinha um relacionamento aberto, sendo o colega Duncan Grant seu principal namorado e companheiro de trabalho, com quem dividiu projetos notórios. Teve dois filhos com Clive e uma filha com Duncan, que foi criada pelo marido como se fosse dele. É responsável por alguns retratos mais conhecidos da irmã e do conjunto de cinquenta pratos intitulado “Serviço de Jantar das Mulheres Famosas”, onde ela e Duncan retrataram mulheres influentes em diversas áreas.
Obras em destaque: Auto-retrato (1915), Nu Com Papoulas (1916) e O Clube da Memória (1943). Aprenda mais sobre a Vanessa!
03) Anna Boch:
Você já ouviu falar que Van Gogh vendeu apenas uma obra de arte em vida? “O Vinhedo Vermelho” foi comprado por Anna Boch, que era uma pintora e patrona de artes belga que migrava entre o impressionismo e pós-impressionismo, usando muito das técnicas de pontilhismo em suas obras. Mais do que suas pinturas, precisamos falar também do trabalho que fazia ao ajudar amigos modernistas da época, não só o mencionado anteriormente mas também Gaugin, para quem organizou um leilão beneficente. Anna abriu também uma casa onde artistas progressistas podiam produzir seus trabalhos e, em seu testamento, doou o dinheiro que tinha e o que foi arrecadado com a venda de seus quadros foi destinado à aposentadoria desses colegas, garantindo que não ficassem desamparados após não conseguir mais produzir. Seu desejo foi realizado quando morreu, aos 88 anos, mas teve algumas pinturas também doadas para museus.
Obras em destaque: Um Buquê de Cravos (cerca de 1910), Mulher lendo em um Aglomerado de Rododendros e Retorno da Missa Pelas Dunas. Aprenda mais sobre a Anna!
04) Emily Carr:
Nascida na costa do Pacífico canadense, Emily Carr é nome de diversas escolas e uma universidade de artes em seu país. Estudou nos Estados Unidos e na Inglaterra, mas manteve como temática principal os povos indígenas do Canadá, pintado-os e escrevendo livros sobre eles no fim de sua vida. O principal deles, Klee Wyck (“a Risonha”), tinha como título o nome adotado que recebeu nas vilas de tribos com as quais convivia. Durante a década de 1920 conheceu o Grupo dos Sete, artistas modernistas canadenses de maior relevância que, apesar de não integra-la ao grupo, considerava como parte deles, chamando-a de “A Mãe das Artes Modernas”. Após três ataques do coração e um derrame, abandonou definitivamente a pintura para dedicar-se à escrita e morreu de um quarto ataque, aos 73 anos. No mesmo ano, ganhou um doutorado honorário da Universidade de British Columbia, sua província natal.
Obras em destaque: Guyasdoms D’Sonoqua (cerca de 1930), Acima do Gravel Pit (1937) e Auto-Retrato (entre 1938 e 1939). Aprenda mais sobre a Emily!
Gwen John nasceu no País de Gales e se mudou para Londres em 1895, ao ingressar na Slade Schooll of Fine Arts, uma das poucas instituições de Belas Artes que aceitava mulheres no Reino Unido, junto com seu irmão Augustus, que teve direito de entrar antes dela, apesar de ser mais novo. Começou a expor oficialmente em 1900 e três anos depois foi para a França com sua amiga e modelo Dorelia McNeill. Lá, começou a modelar para Rodin, o principal artista francês da época, com quem teve um longo relacionamento. Bissexual, era conhecida por ser muito intensa em suas relações. Com o tempo, conseguiu um patrono que a permitiu viver apenas de suas pinturas. Apesar de conhecer muitos artistas influentes, era muito tímida, focando sua produção em temáticas católicas, tornando-se fervorosa na religião com o tempo. No fim da vida, viveu sozinha com seus gatos até morrer aos 63 anos.
Obras em destaque: Mère Poussepin (A Freira, 1915), Gato (entre 1904 e 1908) e Jovem Mulher Segurando Um Gato Preto (entre 1920 e 1925). Aprenda mais sobre a Gwen!
06) Nutzi Acontz
Nutzi Acontz era romena, fruto de uma linhagem armênia da Moldávia, país da Europa oriental que faz fronteira com a Ucrânia e a Romênia, onde nasceu em novembro de 1891. Quando tinha por volta de vinte anos, estudou na Escola de Belas Artes de Iasi, trabalhando como professora de desenho em seguida à sua formatura. Só conseguiu se manter como artista, com suas pinturas, após se mudar para Bucareste, onde retratava paisagens e elementos da natureza com forte dualidade de estilos: em alguns momentos com linhas densas, bem definidas, e cores igualmente intensas; em outros de forma tão leve e sutil que as obras parecem quase não ter cores. Foi lá que faleceu, aos 63 anos, em 1957.
Um parágrafo só não é suficiente para definir Sylvia Pankhurst, que fica por último não por ser menos revelante, mas sim por ter tantas atividades que marcam sua história de forma mais forte que a arte que isso se torna só um adendo dela. Filha de Emmeline Pankhurst, uma das fundadoras do movimento sufragista britânico, Sylvia participou ativamente da causa da mãe, sendo responsável por cartazes pedindo o voto feminino, pinturas retratando as operárias de fábricas e o broche que era dado ás companheiras que eram presas, quando soltas. Em dado momento, rompeu com o grupo por ser contra os esforços da I Guerra Mundial, que elas apoiavam, criando sua própria organização e alinhando seu pensamento político cada vez mais à esquerda. Foi ativista política socialista e humanitária até o fim da vida, que aconteceu quando lutava pela libertação dos etíopes dominados pela Itália, na própria Etiópia.
Obras em destaque: Em Uma Fábrica de Algodão em Glasgow Cuidando de Um par de belas Armações (1907), Broche Holloway (após 1902) e Retrato de Uma Jovem Mulher (cerca de 1909). Aprenda mais sobre a Sylvia!
Quer conhecer mais sobre as mulheres do pós-impressionismo?
Esse post faz parte também do projeto Vênus em Arte, um canal no Youtube e podcast que traz visibilidade feminina na história da arte! A série sobre as mulheres do Pós-Impressionismo “terminou” no início desse ano, mas não definitivamente, já que continuará sendo alimentada sempre que possível ou pertinente. Para conhecer mais sobre o movimento e várias outras artistas que fizeram parte dele, inclusive de outros países, vocês podem acessar a playlist sobre o assunto por lá!
Eu realmente considero um privilégio viver na mesma época que Yara Tupynambá, por diversos motivos. A importância dela na história da arte brasileira, em especial na arte mineira, é medida não só pela produção de obras em diversos suportes, mas também formação de outros artistas, uma vez que foi professora em importantes cursos de nível superior em Artes Visuais. Quando fiquei sabendo da exposição Yara Tupynambá – 70 Anos de Carreira, que chegou ao CCBB BH no dia 24 de fevereiro, peguei ingresso para o primeiro horário do primeiro dia, precisava conferir e produzir conteúdo sobre. Foi a única vez que fui a uma instituição cultural durante a pandemia e não me arrependo: são 74 obras, entre quadros, gravuras e painéis, representando flora e cultura de Minas Gerais, celebrando não só a vida e o trabalho dela, mas também do lugar onde nasceu e ainda vive.
Eu tenho uma relação muito pessoal e afetiva com a Yara, vai além da admiração como artista. Em 2012, quando eu fazia meu TCC, onde restaurarei uma gravura do Padre Viegas (provavelmente a primeira gravação feita no Brasil!), descobri que ela tinha feito a reimpressão que estava restaurando quando era professora da EBA UFMG enquanto pesquisava a história da obra. Mandei então alguns e-mails até, enfim, chegar no endereço pessoal dela, que me respondeu muito solícita sobre o trabalho e me ajudou a detectar muitas das causas de degradação que tinham levado a essa necessidade da restauração. Quando terminei, ela foi adicionada aos meus agradecimentos porque foi super importante no processo e me tornei bem fã. Com razão, né? Pra quem tem interesse nesse tipo de trabalho, ou mesmo curiosidade, o arquivo em PDF do TCC completo está disponível no meu perfil do Academia.
Sala 01:
Essa exposição está dividida em quatro salas, sendo as três primeiras no térreo do prédio, logo à direita da entrada principal. A sala de abertura já apresenta, de cara, um dos painéis da artista, obra de grande porte e cores fortes, entre verde, marrom e pitadas de pontos claros nos detalhes. Essas cores estão presentes em todo esse ambiente inicial, retratando matas, árvores e águas das margens do Rio Doce. É um conjunto bem uniforme, parece uma grande série de quadros, mas suas datas variam muito entre os últimos dez anos, mais ou menos, então a produção em si parece ter sido relativamente espaçada. Confesso que, de todas, foi a que “menos amei” (porque amei tudo, na verdade), mas causa um primeiro impacto muito belo, de verdade.
Psiu! Pres’tenção! Todos os exemplos de pinturas mostrados nesse post possuem a mesma técnica e suporte: acrílica sobre tela. Os anos de criação, porém, são variados e foram descritos nas legendas das imagens, ao lado dos títulos.
Árvores Brancas (2012) e Floresta do Vale do Rio Doce (2014).Lagoa com Nenúfares (2019), Lagoa do Rio Doce (2017) e Floresta do Vale do Rio Doce (2017).
Sala 02:
A sala seguinte tem cores suaves retratando ambientes abertos que passam a ideia de serem mais leves. Acho que, de todas, foi a minha favorita! Achei interessante porque nem todas elas são cenários em si, algumas tinham flores e outros tipos de plantas meio “jogados” formando a composição, e ainda assim passam a mensagem de retratar algo real e visível. O grande destaque dessas representações é a Serra do Cipó, um destino turístico natural localizado na Região Metropolitana de Belo Horizonte conhecido por suas cachoeiras, que estão presentes lado a lado da vegetação também característica. Ao contrário do espaço anterior, e assim como os seguintes, elas são diferentes entre si, mas é possível detectar alguns conjuntos que representam pequenas unidades particulares, a expografia arrasou em organizar a disposição para que isso ficasse muito perceptível ao público visitante.
Velócias Gigante (2013).Perto da Cachoeira (2015) e Três Flores na Serra do Cipó (2004).Flores na Serra do Cipó III (2011) e Flores na Serra do Cipó (2011).
Sala 03:
O último cômodo do andar térreo também retrata pontos relevantes de Belo Horizonte e região, como parque municipais e o Inhotim, museu de arte contemporânea em Brumadinho que tem paisagismo assinado por Burle Marx. Em um meio termo do que foi visto anteriormente, os quadros têm tons e características semelhantes, mas não retratam uma unidade propriamente dita. Como moradora da capital mineira foi o lugar onde mais me senti em casa, por mais que eu já tenha estado nos cenários anteriores esses são os mais próximos, onde estive várias vezes. Isso me mostra muito a força de vistar mostras e exposições que trazem paisagens locais, valorizando realmente o nosso lar e o fazer artístico dele, mesmo. Muito incrível poder ver isso, seja presencial ou virtual, que é o mais acessível nesse momento.
Árvores à Luz do Dia (2018), A Velha Parede Esquecida (2018) e Parcos no Parque (2020).Árvores e Barcos (2017) e A Menina dos Balões (2017).
Sala 04:
A última sala fica localizada no 2º andar do CCBB, contendo obras da coleção particular da artista que o público não tem acesso. Ali contém desde homenagens a Monet, ao pintar seus jardins na França há mais de trinta anos, à vista da sua janela durante a pandemia, com trabalhos de 2020 e até 2021! Em entrevistas ela já disse que sua rotina em isolamento social não mudou muito, passa basicamente o tempo todo no ateliê produzindo, e aí está o resultado dessa produção, que ocupa 70 anos dos (quase) 90 que tem de vida a serem completados ano que vem. Escondidinho, num dos cantos de obras voltadas pra parede, existe um quarteto que não são pinturas e tenho a impressão que eram desenhos, mas agora não tenho certeza e já peço desculpas por essa gafe. O importante é que é belíssimo, como todo o resto.
O Jardim Secreto I (2015), A Casa de Monet (1989) e Íris e Spatifilus do Jardim (2020).Spatifilus no Fim da Tarde (2010), Strelitzia no Jardim (2020), A Casa de Monet (1898) e A Janela do Atelier (2021).Vaso de Flores em Pote Chinês (2000) e Sol Poente e Folhas Vermelhas (2020).
Yara Tupynambá nasceu em Montes Claros, Minas Gerais, em 2 de abril de 1932. É artista plástica, tendo estudado com o próprio Guignard, e atuou como professora e diretora da Escola de Belas Artes (EBA) da UFMG e professora da Escola Guignard da UEMG. Ao longo de sua vida profissional, participou de diversas Bienais e Salões de Arte Moderna, ganhou prêmios de vários tipos de materiais do seu trabalho multiartístico, uma vez que é não somente pintora mas também muralista, gravadora e desenhista. Em 1987, criou o Instituto Yara Tupynambá, ainda na ativa, promovendo atividades de incentivo cultural, incluindo a conservação-restauração de bens, e de educação artística e em outras áreas, como gastronomia, moda, turismo e meio ambiente. Vocês podem segui-la no Instagram nos perfis @yaratupynambaoficial e @instituto.yaratupynamba.
Dados gerais e vídeo:
Yara Tupynambá – 70 Anos de Carreira está em cartaz no Centro Cultural Banco do Brasil, em Belo Horizonte, supostamente, até 20 de maio de 2021. O CCBB, porém, se encontra fechado como medida de proteção ao COVID-19, sem previsão de reabertura, conforme definido pela Prefeitura de BH. Enquanto estava aberto, a bilheteria da instituição não estava funcionando e os ingressos gratuitos eram retirados pela internet, com obrigatoriedade do uso de máscara de proteção dentro das dependências, medição de temperatura na entrada, distância entre visitantes determinada por sinalização presente no chão e dispensadores de álcool em gel em todos os andares do prédio. É possível fazer o tour virtual pela exposição no site do Instituto Yara Tupynambá em yaratupynamba.org.br/ccbb (e tem uma prévia dele lá nos Reels do meu Instagram!).
Esse post faz parte também do projeto Vênus em Arte, um canal no Youtube e podcast que traz visibilidade feminina na história da arte! Sempre que pertinente, falo sobre as mulheres de exposições que frequento por lá, além do conteúdo principal ensinando sobre movimentos artísticos através das artistas que faziam parte deles. Abaixo, um vídeo falando sobre a experiência com pequenas tomadas dentro das galerias.
Em situações normais, fora desse contexto da pandemia, eu sou super a amiga de ir ao museu. Posso ser a de balada (bem pouquinho), a de cinema, de ficar á toa, de várias coisas, mas a de museu acho que é um papel que desempenho melhor. Eu AMO ir a museus, gosto de ver arte, produzo conteúdo sobre… Chego lá com informações sobre o teor da exposição, observando como cada obra foi colocada, faço meus registros em foto e vídeo sem deixar de apreciar o que tô vendo. Fora que, no que diz respeito ao conhecimento formal, entendo do assunto, então posso ser fonte de informação, mas sem ser a chatona que transforma o rolê em palestra, sei brincar e sei falar sério, simultaneamente. Cara, que saudades de PODER receber um convite desses…
Estudar determinado assunto não te isenta de desgostar de algo dentro dele, claro, mas ajuda bastante a enxergar com olhar menos tendencioso. Eu sei que qualquer coisa que tem a intenção (ou às vezes nem isso!) de ser uma manifestação artística tem seu valor, sabe? É LÓGICO que existe algo aqui ou ali que pessoalmente acho “feio” (cofcofRomeroBrittocof), mas é muito raro, de verdade, porque o que existe por trás daquela peça tem uma carga tão maior pra mim, em mil sentidos, que não consigo deixar de ver beleza, esteticamente falando, mesmo, nela. E, no meu papel de companhia de quem não compartilha dessa visão, acabo ouvindo coisas que vão além da preferência estética e não dá pra deixar de rebater: o questionar se algumas coisas são arte de fato ou a afirmação de que aquilo é tão insignificante que qualquer pessoa poderia ter feito.
E assim, rebato!
“Mas… Isso é arte?”
Sim, isso é arte! Você gostando ou não, é arte. Na verdade, dependendo de quem é você e de qual é a arte, ela foi feita pra você não gostar. E ainda assim é arte.
O conceito de arte por si só é variável e muda constantemente conforme muda a sociedade, sendo um reflexo da mesma. Pode ser expressão e decoração, quando se pensa nela de forma imediata, mas também emoção, ciência, registro histórico, percepção e até manifestação acidental. Um utensílio de cozinha, algo que foi corriqueiro na vida de sociedade X o Y, de repente pode estar no museu sendo exaltado dessa forma. E, ao mesmo tempo, existem as manifestações artísticas propositais que não seguem o que se muitas pessoas entendem como “arte”, baseando-se num modelo clássico e padrões de beleza que estão há muito obsoletos e ignoram a subjetividade da própria ideia da beleza. A humanidade mudou desde Botticelli, o ideal do belo vem se tornando cada vez mais amplo e o modo de produzir todos os tipos de artes se transformam também. Ainda bem!
Por exemplo, a pintura-retrato que expressa o que o artista vê (ou uma versão idealizada disso) era a maneira encontrada de deixar sua marca fisicamente para gerações posteriores e mais tarde, com a popularização da fotografia, passamos a ter outro jeito de fazer isso. É natural que o conceito venha se sobressaindo ao visual e, principalmente, ao que soa como “real” na nossa mente. Além disso, esses conceitos e questionamentos sempre estiveram presentes na arte, não só na contemporânea como muitos acreditam. Ao estudar sua história percebemos que um movimento artístico contesta o que estava em alta antes dele, trazendo novas reflexões àqueles que se expressavam através dela e, com sorte, aos que consumiam. Apesar de existir uma quebra maior à medida que o final da era moderna foi se aproximando, sempre esteve presente e sempre incomodava aqueles que se recusavam a evoluir.
Não é como esses que queremos ser, né?
“Ah, isso aí até eu faço!”
Bom… Então faz! Se é assim vai lá e faz!
Veja bem, é claro que na vida o conhecimento e as oportunidades dependem de DIVERSOS fatores que precisam ser levados em conta… A infinidade de privilégios que podem determinar o destino de alguém não pode ser ignorada, né? Mas, ainda assim, uma coisa que não deixa de ser verdade é que a produção artística de alguém NUNCA depende apenas de “talento”. Na verdade o que as pessoas chamam de talento é resultado de muito estudo, esforço, investimento, horas e horas se dedicando à atividade em questão. Aptidões mais voltadas para uma área que pra outra? É, temos. Mas não em definitivo. Habilidade e criatividade são coisas que podem ser ensinadas e aprendidas. Acima de tudo elas podem ser treinadas diariamente, de hora em hora, sem parar, resultando, é claro, num produto cada vez mais satisfatório. Ou, pelo menos, assim a gente espera.
Sendo assim, é claro que QUALQUER produção artística poderia, de fato, ser feita por QUALQUER um de nós. Eu acredito nisso. Porém elas são feitas pelas pessoas que, seja por aptidão, oportunidade e/ou esforço absurdo, fizeram. Então não é nada legal menosprezar o trabalho de alguém falando que você, um leigo no assunto, dá conta de fazer igual. Você não fez e, mesmo se fizer, NÃO VAI SER IGUAL! A história que vai existir por trás de um ou de outro vai ser diferente, simples assim. Qualquer um poderia ter pintado O Grito de Edvard Munch ou conduzir as pesquisas sobre radioatividade de Marie Curie, mas não foi esse “qualquer um” que o fez. Foram eles, e você tem direito TOTAL de gostar ou discordar da qualidade desses trabalhos. Mas o trabalho é deles, e fim!
Por fim, vou fechar com a fala de uma das personagens que mais gosto na vida, a professora Katherine Watson de “O Sorriso de Mona Lisa”, que foi muito importante nessa minha trajetória como arte-educadora nos últimos anos (e sobre a qual quero escrever um post inteirinho, ainda). Em determinada cena em que suas alunas desdenham de Jackson Pollock ela diz: “Façam-me um favor. Façam um favor a vocês mesmas. Parem de falar e olhem. Vocês não precisam escrever um artigo. Vocês nem precisam gostar. Vocês PRECISAM, porém, considera-la.” Recomendo que apliquem em todo o tipo de arte visual que forem consumir, cada vez mais!
Obras presentes na imagem: A New Day, de Romero Britto; Sem Título (1984), de Jean-Michel Basquiat; Número 17A (1948), de Jackson Pollock; Roda de Bicicleta (1913), de Marcel Duchamp e Abaporu (1928), de Tarsila do Amaral.
Ano passado, no dia 9 de maio, o artista modernista brasileiro Abraham Palatnik faleceu aos 92 anos, vítima do COVID-19 (também conhecido como vírus Corona), no Rio de Janeiro. Grande nome na arte construtivista e abstrata aqui no Brasil, ele é a maior referência nacional em Obras Cinéticas e Aparelhos Cromáticos, onde explora forma, cores e luzes através da união da arte com a tecnologia, criando verdadeiras máquinas embutidas dentro do que parecem inocentes objetos lúdicos. Seu trabalho já rodou grandes centros culturais brasileiros, como o MAM – Museu de Arte Moderna de São Paulo, e internacionais, e agora está no CCBB BH – Centro Cultural Branco do Brasil de Belo Horizonte com a mostra “A Reinvenção da Pintura”.
Abraham Palatnik – A Reinvenção da Pintura é uma amostra grátis, literalmente, de toda uma trajetória multi- artística. Ela começa com obras bastante tradicionais, pinturas e desenhos do início da carreira, com traços delimitados retratando natureza morta, paisagens e, logo na primeira sala, um auto retrato do artista. Para o que não sabem nada sobre a história dele, pode rolar uma primeira impressão bem diferente do que espera pela frente, mas que é importante estar ali, contando sua história. Quem gosta de realmente se informar sobre o que está visitando está bem servido, porque além da linha do tempo de sua vida os dizeres nas paredes dão várias informações, além dos QR codes que levam ao link do folder digital, uma vez que não há distribuição de folders impressos como medida de prevenção nesse período de pandemia.
A variedade da sua produção, porém, começa a aparecer bem rapidinho à medida que novas salas vão sendo exploradas. Há uma simulação do seu ambiente de trabalho, objetos de design criados em meados do séculos XX compõe um cenário com tipos diferentes de mesas e assentos, criações lúdicas que poderiam facilmente ser usadas como brinquedos e uma aparição dos seus famosos Aparelhos Cinecromáticos, onde luzes coloridas se embaçam e movimentam atrás de uma tela. É envolvente ver como ele construiu algo assim cinquenta anos atrás (o que estava lá é datado de 1969), o industrial disfarçado de puramente estético com um toque orgânico. Foi uma pena pra mim não conseguir registrar, o ambiente é escuro pras luzes se destacarem e, por isso, nenhuma foto ou vídeo passa a real mensagem do que é visto. Mas garanto: lindo, lindo, lindo!
Autorretrato (1945) – óleo sobre telaSimulação do ateliê e oficina do artistaTrabalho como designer de móveisPintura em vidroQuadrado perfeito (1962) – madeira (tabuleiro) e resina (peças).
Objetos Cinéticos
Objeto cinético (1990 – 1992) – madeira, fórmica, metal, tinta acrílica e circuito elétrico. Veja um exemplo em movimento no Instagram!
Agora falando de sua revolução particular de obras tridimensionais, e não somente na pintura que é plana, os Objetos Cinéticos são o destaque da mostra. Os aparelhos são motorizados, coloridos e muito fascinantes, parecem aqueles brinquedos que vemos tradicionalmente nas salas de espera de consultórios pediátricos, mas em escala maior e feitos para admirar, não brincar. Alguns estão fixados na parede, outros enchem a sala realmente como esculturas, você demora para entender que o movimento é mecânico e não eólico e não quer mais sair depois. Poderia ser um material didático fofo, mas é mistura belíssima de áreas que parecem ser opostas, como as artes e exatas, mas que podem se complementar, claramente! Pra deixar a coisa ainda mais legal, existe dentro de um vidro protetor alguns dos projetos dessas obras, com esboços e cálculos originais em papéis já envelhecidos, mas muito bem preservados.
Esboços e cálculos para objetos cinéticos, originais do artista.
Variedade de materiais e ilusões de ótica
Duas obras Sem título (a segunda de 1984) em acrílica sobre tela
A partir daí, a exploração do orgânicos está presente em todas as obras da visita, seja na impressão passada a quem está as galerias ou mesmo na exploração do material em si, criando quadros de Jacarandá onde não há pintura, usando as cores da própria madeira ao representa-la. Ele também explora ripas de tela e cordas para criar algumas composições em tinta acrílica com bordas elevadas em formas compridas e curvas, metal para que suas linhas em onda e picos tenham brilho próprio e até cria relevos reais, super geográficos, cortando e montando papel cartão. O efeito visual é não só maravilhoso, mas quase difícil de entender, dá super vontade de “botar a mão” mesmo, sabe? Meu lado conservadora-restauradora grita, o apaixonada por artes ignora e segue no desejo (eu uso luvas, juro)!
Sem título (1978) – óleo sobre ripas de madeiraSem título (1979) – metal cortado.Sem título (1981) – cartão cortado.
Série W
Ambiente da exposição com quadros em acrílica sobre ripas de tela (1 e 2) e madeira (3, 4 e 5): 1) T-21 (2004), 3) W-140 (2006) 4) W-141 (2006) e 5) W-222 (2008).
Por fim, a série W, que vem de “wood” (madeira, em inglês) cria mais uma vez quadros com baixo e alto relevos que formam linhas em onda e picos, mas dessa vez usando ripas de madeira cortadas a laser e pintadas em diversos tons diferentes. Pessoalmente, a cada nova obra que eu via, ganhava uma favorita para substituir a anterior. No fim das contas, todas merecem o favoritismo mesmo! O efeito é diferente visto de frente ou de ângulos laterais, pede que quem está vendo fique um tempo admirando enquanto se move tentando entender como foi criada a composição e onde começa e termina o uso da cor ou da posição das ripas em si. A tinta acrílica deixa a cor super intensa e ele usa, inclusive, tintas metálicas em alguns casos.
Acrícila sobre ripas de madeira.Acrícila sobre ripas de madeira.Ambiente da exposição.
Foto do artista Abraham Palatnik durante a execução de um trabalho em alta resolução presente na entrada da exposição.
Abraham Palatnik nasceu em 19 de fevereiro de 1928, em Natal, Rio Grande do Norte. Seus pais eram judeus russos e se mudaram para Israel quando ele tinha 4 anos, onde estudou pintura, desenho, física e mecânica e produziu suas primeiras pinturas. Ao retornar ao Brasil aos 20 anos, foi morar no Rio de Janeiro, onde fez parte do Grupo Frente, de grande nome no movimento construtivista e nas artes plásticas nacionais. Começou a criar suas obras cinéticas e cinecromáticas, unindo suas áreas de estudo e interesse, a partir do final da década de 1940, após um período sem produzir, sendo pioneiro nessas tecnologias. Depois disso, ao explorar novas séries onde usufruía de outros meios de produzir sensações através de relevos de cor, passou a expor dentro e fora do Rio, cada vez mais. Suas obras rodaram os principais museus de arte moderna do mundo, como o MoMA, em Nova York.
Dados gerais:
Abraham Palatnik – A Reinvenção da Pintura está em cartaz no Centro Cultural banco do Brasil, em Belo Horizonte, de 03 de fevereiro a 19 de abril de 2021. O CCBB se encontra na Praça da Liberdade, 450, aberto de quarta a segunda, das 10 às 22h. Como medida de proteção contra o COVID-19, a bilheteria da instituição não está funcionando e os ingressos gratuitos devem ser retirados no site eventim.com.br com tolerância de 15 minutos após o horário selecionado. É obrigatório o uso de máscara de proteção dentro das dependências do museu, além da medição de temperatura na entrada e distância entre visitantes determinada por sinalização presente no chão. o Serviço de guarda volumes está suspenso e não é permitida entrada com mochilas e malas, apenas bolsas de porte menor. A instituição disponibiliza dispensadores de álcool em gel em todos os andares do prédio.