Exposição madeira doce, água áspera, de davi de jesus do nascimento

Exposição madeira doce, água áspera, de davi de jesus do nascimento

Direto das margens do rio São Francisco para o mundo, com pouso daqueles INCRÍVEIS no maior centro cultural de Minas Gerais. A exposição “madeira doce, água áspera”¹, solo do mineiro davi de jesus do nascimento¹, aberta a visitação na Galeria Genesco Murta do Palácio das Artes, é um mergulho pelo universo tão amplo desse artista que usa de diversas técnicas e suportes para nos presentear com sua autobiografia poética e graciosa. Em meio aos regionalismos que fazem parte da sua vida, davi brinca não só com a visão, enchendo os olhos, mas também audição e, claro, olfato, através d’um aroma de tamarindo tão característico que dá água na boca e atiça o paladar.

Veja pedacinhos dessa exposição também no vídeo publicado no Instagram Reels!

Essa é uma exposição que vi acontecer desde que era ideia. Quando a equipe do Palácio das Artes foi na Mitre Galeria sugeri-la, era um dia normal de (muito) trabalho que a gente estava vivendo por lá. Rolou uma ligação com o artista, todo mundo topou e no final, provavelmente vendo minha cara de desespero, até a brincadeira de que, dessa vez, teria o suporte deles pra não nos sobrecarregar. O davi foi um dos artistas que nessa época, na meiuca de 2023, apresentamos no estande da ArPa, feira de arte em São Paulo que estava em sua segunda edição, então a gente já vinha respirando os trabalhos mais que o normal, casou super com o momento! São obras maravilhosas, aí junta com o fato de que ele é um QUERIDO com o qual é um prazer trabalhar, poxa, precisava mostrar pra vocês um pouco do resultado…

Embarcações:

É IMPOSSÍVEL começar a falar dessa exposição sem citar os barcos. Filho de barqueiro, que participa junto nessa produção, criado à margem de um rio-movimento da vida das pessoas que fazem parte de seu cotidiano, essas peças são chaves do trabalho dele! A exposição conta com quatro, dois a vela que já estiveram em outras exibições (inclusive na vitrine da maa, da qual fui co-curadora na Mitre), um menor suspenso, e o último, o maior deles, coberto de tamarindos. Um detalhe maravilhoso das velas é que elas têm “derranhos” (explico um pouco mais abaixo) de carrancas, outro elemento forte nesse imaginário. Não vou negar, às vezes dá vontade de entrar neles e sentir como é embarcar de verdade sobre as águas.

Vista da exposição madeira doce, água áspera, de davi de jesus do nascimento, com destaque para embarcação sem vela forrada de tamarindos. Ao redor, visitantes apreciam a área expositiva. Na lateral direita, existem fotografias em parede alaranjada e à esquerda, ao fundo, aquarelas em parede branca.

Embarcação de madeira com vela de tecido onde há um desenho de carranca. Ao fundo, uma fotografia de família do artista ampliada.

mesmo azedume de corpo suado, 2023, 670 x 430 x 92 cm. embarcação azeda de duas proas forrada com tamarindos.

furor de peito e remela, 2022, 300 x 60 x 30 cm. embarcações a vela com derranhos da série “gritos de alerta”.

ilha do calmon, 2023, 100 x 70 cm. retrato-enchente de nossa mãe, fotografia analogica de familia, butuca em remolho.

Pintura e desenho:

No universo de davi, o neologismo está presente até nas técnicas pictóricas. Aqui aquarelas são aguamentos e desenhos são derranhos, sempre usando tons terrosos sobre papel de altíssima qualidade! Os trabalhos a lápis formam carrancas, uma vez que ele conviveu e convive com diversos carranqueiros em Pirapora, retratando cenas em traços simples e, ao mesmo tempo, super narrativas, de todas elas e possível extrair uma história. Já as pinturas, que parecem feitas usando barro, variam entre vultos distantes, pessoas-vasos, bichos e criaturas fantásticas. Os aguamentos são meu trabalhos favoritos dele, gente! O controle da aquarela, que vem combinado com o deixar a água criar, me fascinam MUITO, eu queria poder ficar horas analisando cada uma delas, e o melhor é que de certa forma posso!

Imagem de uma moldura vertical de desenhos, contendo 9 desenhos pequenos de carrancas. À frente, na lateral da foto, há uma rede pendurada do teto em cone, e ao fundo é possível ver algumas aquarelas.

Detalhe de moldura horizontal com desenhos a lápis representando carrancas.

Três pinturas em aquarela, representando fundo aguado e pequenos vultos de pessoas por cima, tudo em tom amarronzado simulando terra molhada.

derranhos da série “gritos de alerta”, 2023, 152 x 23cm. Lápis marrom sobre papel Hahnemühle.

derranhos da série “gritos de alerta”, 2023, 46 x 175 cm. Lápis marrom sobre papel Hahnemühle.

aguamentos barranqueiros da série “a correnteza zanza silêncios”, 2023, 58 x 76 cm. aquarela sobre papel.

Fotografia e vídeo:

Suas vídeo-performances são de tirar o fôlego, com transições de cenas que trazem mil questionamentos antes que seja possível digerir o cenário anterior… Mas a fotografia sem dúvida é o ponto forte do artista! Além do uso de fotos de família, algumas delas tiradas pelos pais, que trazem o peso do contar de origens, ele também cria autorretratos explorando o rio, suas luzes e ângulos. Muitas dessas fotos contam com cliques de outras pessoas, inclusive o querido Caio Esgario, seu namorado, e a gente consegue ter uma ideia ainda mais clara do que é ser davi. Já vivi momentos de ter pessoas questionando em que papel elas são impressas, o efeito capturado às vezes torna difícil acreditar que é papel fotográfico “comum”, mas é verdade, e é bonito demais! Ele também faz polaroids, essas com colagens de animais já mortos lacerados sobre seu corpo, transformando-se em híbridos também.

Em primeiro plano, desfocado, há a ponta de uma embarcação de madeira. Ao fundo, em foco, há um vídeo projetado em telão onde davi de jesus do nascimento, o artista, um homem negro de cabelos cacheados, se encontra deitado ao chão, vestindo apenas um calção amarelo, em frente a uma construção de madeira.

Obra de arte composta de duas fotos polaroids do artista de costa. A foto de cima contém aplicação de asas de pássaros nas costas e a de baixo suas patas nas mãos.

estudos de corpo-embarcação, 2023, 5min 15seg.video-fuá, butuca de Caio Esgario.

prestigio de voo, vestígio de queda, água guardada da série exorcismo de dor, 2023, 32 x 32 cm. pássaro lacerado costurado e acostumado sobre fotografias instantâneas.

Outras esculturas:

Por fim, mas de forma alguma menos importantes, temos variadas esculturas, sim, já não basta todas as técnicas que vimos acima, tem mais! Elas são em alguns momentos peças com ar “vintage”, como um baleiro e uma balança antigos cheios de tamarindos e um berço forrado com as mesmas frutas, em outro a carranca deixa de ser uma caricatura sobre papel e tecido e se faz presente, a madeira cheia de sulcos e o olhar firme focado na proteção prometida. Espalhadas pela galeria ainda temos redes de pesca que funcionam como mosquiteiros de mais tamarindos… As cores das paredes, fechadas e quentes, complementam o visual, ambiente todinho é como ele, feito de rio!

Close em uma carranca de madeira, com olhos esbugalhados e boca aberta. A madeira tem sulcos causados pelo tempo.

Close em uma balança antiga, marrom e gasta, com tamarinos sobre a bandeja lateral

cão de canoa, 2022, 77 x 20 x 27 cm. carranca exumada de quintal (cemitério de almoço e janta).

carne de sol, 2022, 51 x 52 x 27 cm. objeto de águas guardadas, balança com tamarindos.

Sobre o artista:

davi de jesus do nascimento nasceu em 1997 na cidade de Pirapora, no Norte de Minas Gerais, onde hoje vive e trabalha. Seu currículo conta com diversas exposições solo e coletivas, dentro e fora do Brasil, sempre abordando sua história de vida e multipotencialidade enquanto artistas. Indicado ao Prêmio PIPA 2020 e 2022, hoje é representado de forma conjunta pela Mitre Galeria, em Belo Horizonte, e Sé Galeria, de São Paulo. Vocês podem segui-lo no Instagram no perfil @nasceumdavi.

Dados gerais:

madeira doce, água áspera, solo de davi de jesus do nascimento está em cartaz na Galeria Genesco Murta do Palácio das Artes (av. Afonso Pena, 1537, Centro), em Belo Horizonte, até 28 de janeiro. O funcionamento é de terça a sábado, das 09:30 às 21h, e domingo, de 17 às 21h. Entrada gratuita e classificação indicativa Livre.

¹ A grafia do nome do davi, assim como de suas obras, exposições e técnicas, é feita sempre com todas as letras minúsculas por opção do artista.

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  • Carol

    Incrível! Adoraria visitar BH e a expo. 

    Beijos
    Carol

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  • Taís Alice

    Ficou um espetáculo! Tanto a exposição quanto o post. Amei verdadeiramente os aguamentos… Uma exposição que dá pra “sentir”, isso é incrível! Eu diria que é visceral. Foi emocionante, pra mim, conhecer o tamarindo, fruta da qual só ouvi falar no Chaves. Parabéns pelo trabalho e aos envolvidos.

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