#TBT Exposição “Horizonte”, de Marcos Siqueira

#TBT Exposição “Horizonte”, de Marcos Siqueira

Marcos Siqueira, natural da região metropolitana de Belo Horizonte e morador da Serra Cipó, é hoje um artista reconhecido internacionalmente. Em 2023 seu estande solo com a Mitre Galeria (que na época da qual falaremos nesse post ainda se chamava Galeria Periscópio) na Frieze New York foi um sucesso absoluto, e no ano seguinte teve sua primeira solo internacional na mesma cidade. Mas e quanto a exposições individuais aqui no Brasil? Bom, nesse caso a primeira aconteceu há menos de três anos, em 2022, na capital mineira, mesmo, com curadoria da sua grande companheira e também artista Gisele Camargo. Nela, ele ainda assinava como “Marquinho”, nome como é conhecido entre os amigos, levou ao público suas pinturas feitas com pigmentos que coleta em caminhadas e mistura com colo acrílica, retratando o dia a dia da fatia do cerrado brasileiro onde habita.

“É um canto-resposta. Está tudo ali. Marcos nasceu e sempre viveu no cerrado. Trabalhou com pesquisas de solo, entende do seu comportamento e de suas possibilidades, por isso mesmo retira dele os seus pigmentos em suas mais possíveis variações cromáticas: ocres, verdes, pratas, azuis, pretos, cinzas, vermelhos. E mesmo com a sua avançada produção em pintura, continua sendo brigadista na linha de frente de atuação contra os incêndios florestais que assolam a sua região, guia pessoas por campos rupestres, faz trabalhos de jardinagem, recolhe e recicla lixo, é atleta.” – Gisele Camargo e Luiza Baldan

Nessas obras, o público era convidado a perceber a paisagem não como plano de fundo, mas também protagonista, junto com personagens sem rosto e gênero, mas cheios de expressão. São pinturas, ainda sempre em formato quadrado com 50 x 50 ou 90 x 90 centímetros, que pareciam conter em si bioma onde nasceram: tons terrosos vibrantes, texturas densas, camadas sobrepostas como se fossem extratos do solo – porque, na verdade, são! O fato de os pigmentos serem fruto dessas “andanças”, transformando terra em tinta, dá uma textura granulada bem especial, algo que a galeria sempre tem muito cuidado de retratar nas fotos, pois fazem parte desse “tchan”. É uma ode à Serra do Cipó: artista, matéria prima e temas retratados vêm do chão que ele pisa todos os dias. O gesto é simples, mas o resultado potente, pulsa território, corpo e memória.

Fachada da exposição onde se vê título, nome do artista Marcos Siqueira, da curadora e data de duração escritos em preto em uma parede branca. Há sombras de árvores nessa parede, alguns reflexos das mesma no vidro e, no canto superior esquerdo, a antiga logo brilhante alaranjada da galeria.

Três pinturas, a primeira de um homem pintando bolhas de sabão no céu, toda em tons terrosos. A segunda é de uma pessoa sobre um manto de nuvens coloridas, en tons de amarelo, laranja e ocre, e a terceira, bem ao fundo, uma pessoa caminhando sobre listras em tons de cinza e alaranjado.

Detalhe da primeira pintura da foto anterior, onde é possível ver a textura do pigmento natural.

Todas as pinturas do artista são Sem Título e têm como técnica Pigmento sobre madeira.

Ao saber dessa matéria prima muitas vezes quem visitava, num primeiro momento, sentia que cartela de cores seria limitada, mas era só entrar e olhar a primeira obra para ver que isso está longe de ser verdade. Os tons que ele consegue não são só marrom, alaranjado e ocre opacos… Cinza em diversas nuances, rosa, amarelo, verde, um arco-íris de energia muito intrigante que causa a pergunta “como ele conseguiu essa cor?” em quase todas as visitas. As formas parecem simplificadas, mas são muito bem pensadas com noção de perspectiva e até transparência… Os mais eruditas tentam classificar como “arte naif”, e não poderiam estar mais enganados: não há nada de ingênuo ali. É bem pensado, transitando entre real e surreal, passa perfeitamente a mensagem política e ambiental. Abrindo debates sobre território, preservação e pertencimento, “Horizonte” foi mais que uma exibição: foi um manifesto.

Quatro pinturas em tons de cinza. A primeira de um homem trabalhando com um fio branco longo que ocupa boa parte da tela, a segunda de uma pessoa dentro do rio com uma lanterna acesa, a terceira de bandeirolas coloridas en tons amarelados e a quarta de uma árvorenodosa.

Vista do andar de cima do salão expositivo durante a abertura, onde várias pessoas conversam, olham as obras nas paredes e são servidas por garçonetes que vestem preto.

Até a curadoria da individual foi construída afetivamente, uma vez que ambos os artistas, Marcos e Gisele, dividem suas vidas há anos, sendo apoio e inspiração um para o outro (e tratarem de temas parecidos, ainda que tenham estéticas muito diferentes). Durante a produção, os dois estiveram presentes na semana de montagem, construindo junto com a equipe da galeria o espaço que foi entregue no período expositivo e emprestando obras que pertencem a seus acervos pessoais. O texto curatorial foi feito em conjunto com a (também) artista Luiza Baldan, umas vez que Gisele – em suas próprias palavras – “nem sempre entende de texto, mas entende de Marquinhos”. Juntas, elas costuraram com sensibilidade o vínculo entre arte e vida, revelando a complexidade de um trabalho que não se limita ao ateliê, amplificando o gesto do artista com afeto, cumplicidade e muita precisão.

Segundo espaço expositivo, de iluminação menos clara, com três pinturas na parede, a primeira de uma pessoa pintando um Sol, a segunda de um homem na rede e a terceira, que aparece quase de lado, de um homem sentado diante de uma grande fogueira acesa.

Pintura de um burro voador sendo segurado por uma pessoa que está no chão usando uma corda ao lado do texto impresso fixado em grande tamanho na parede.

Leia também: Exposição coletiva maa, que aconteceu na Mitre 6 meses depois em que Marcos Siqueira e Gisele Camargo participaram.

Grupo de adolescentes vestindo uniforme escolar sentados formando um círculo no salão expositivo, estando o artista Marcos Siqueira entre eles

É claro que, em termos de mercado, foi de encher os olhos dos colecionadores, mas exposição nenhuma se limita a isso! A mediação bem pensada transforma o espaço da galeria em quase institucional, e o caráter educativo não foi dedicado só a clientes e visitantes, mas dessa vez especialmente também a um grupo de estudantes de uma escola da Serra do Cipó, que contou com a presença do artista. Ali, sentados em círculo, a visita foi marcada por encantamento mútuo… Os alunos viam nas paredes seu cotidiano, enquanto a arte, por sua vez, os reconhecia. A troca, que permitia falar e ouvir os jovens, passou por diversos temas, como racismo e preservação, destacando os trabalhos do Marcos de reciclagem na região, que já era conhecido por alguns deles. Afinal, ele não só se apropria da Serra do Cipó em tela, mas também devolve parte do que recebe a ela!

Sobre artista e curadora:

Marcos Siqueira vive e trabalha na Serra do Cipó. Envolvido com práticas de preservação ambiental como brigada de incêndio, guia e através dos projetos Coletivo Caminho Limpo e JMC Reciclagem, ele retira desse ambiente do qual tanto a matéria para seu trabalho. Artista autodidata, com histórico de práticas manuais, está em itinerância na mostra Antonio Obá | Finca Pé: Estórias da Terra no CCBB, e posta alguns de seus trabalhos no Instagram @marcos_siqueira.sc. Gisele Camargo, por sua vez, é formada em Artes Visuais pela EBA/UFRJ, natural do Rio de Janeiro e também moradora da Serra do Cipó, onde produz suas pinturas, é ativa em processos de prevenção de danos ao ambiente e está construindo o Serra Morena Núcleo de Invenções. No perfil @giselecamagodu compartilha processos e animais resgatados que precisam de adoção. (Sim, os dois são incríveis e merecem todo enaltecimento possível!).

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