#TBT Exposição “Casa/iKhaya Lami”, de Jabulani Dhlamini

#TBT Exposição “Casa/iKhaya Lami”, de Jabulani Dhlamini

Agora ponha-se no meu lugar… Você está prestes a ser co-curadora de uma exposição de verdade pela primeira vez na sua vida, na galeria onde trabalha, e descobre que poderá contar com algumas obras de um dos maiores artistas do país, Paulo Nazareth, nesse projeto. Não bastando, durante a produção, o próprio Paulo vai até lá para entregar as pinturas e você tem a chance de conhecê-lo, conversar e tudo mais. Parece o sonho de toda jovem gallerina, certo? Pois e se, além disso tudo, ele propõe para seu chefe, o galerista, que a próxima exposição que vocês irão abrir depois daquela contará com sua colaboração, com o objetivo de expor trabalhos de um amigo fotógrafo da África do Sul? Pois é, minha gente, foi assim que tive o privilégio de ver nascer e viver “Casa/iKhaya Lami”, solo de Jabulani Dhlamini, que aconteceu na Mitre Galeria em 2023.

“‘Casa/iKhaya Lami’ entrelaça dois termos distintos, porém interconectados, “casa”, do português e espanhol, e “ikhaya lami” (“minha casa” em zulu), para destacar o anseio humano universal por um lugar de pertencimento, segurança e enraizamento. A exposição explora como a política espacial, enraizada nos legados históricos do colonialismo, apartheid e desigualdades sistêmicas influenciaram o desenvolvimento, a estrutura e as percepções dessas paisagens urbanas.” – Jabulani Dhlamini

A produção da exposição começou com uma residência feita por Jabulani no conjunto Palmital, que fica na região metropolitana de Belo Horizonte. Apesar de ter trazido algumas fotos tiradas por ele na África do Sul e na França, o “grosso” mesmo começou a ser produzido ali, pouco menos de dois meses antes da abertura. O processo vai muito além de técnicas fotográficas, o objetivo é encontrar narrativas que se encaixem na sua pesquisa e realmente conhecê-las, ao sentar com as pessoas que moram na comunidade e conversar com elas. Daí veio veio o título da exposição: sempre que era apresentado a alguém ele, que não fala português e contava com ajuda para fazer essa tradução, ouvia a frase “Sinta-se em casa!” como forma de saudação… E o mágico disso tudo é que a vida deles se assemelhava tanto à sua em Joanesburgo que era assim que ele se sentia!

Fachada da exposição com título, nome do artista e duas obras de Paulo Nazareth, uma bandeira do Brasil toda preta feita de lona e uma placa indicando a conexão de Belo Horizonte e Joanesburgo.

Três fotografias de Jabulani instaladas num canto entre duas paredes. A maior, ao centro, representa um cavalo branco. À esquerda, alinhada ao topo da maior, uma foto de uma parede azul com uma fotografia de um homem e um cavalo. À direita, com o centro alinhado à parte de baixo da maior, uma foto de uma escultura francesa de cavalo.

“Ikhaya lami” é o título de uma música do Skweletu, que passa uma mensagem de que não importa o que pode ser visto como problema interno, as pessoas não querem ser tiradas de sua casa, porque pertencem àquele lugar, e é nesse ponto que as townships sul-africanas se assemelham tanto às comunidades (antes conhecidas como favelas) brasileiras… Ambas são áreas urbanas, que por lá surgiram durante o apartheid para segregar pessoas negras, situadas nas periferias das cidades com o objetivo de impor poder a quem ali vive, se caracterizando por altos níveis de pobreza e infraestrutura deficiente… Mas que também abrigam resistência política dessa população marginalizada! É um processo artístico muito documental, histórico e impactante, já que visa ampliar as vozes de que vem sendo calado há séculos, registrando seu cotidiano e mostrando como ele é lindo.

Políptico com 8 fotografias de Jabulani. Quatro delas representam casas sul africanas com céu cinza, intercaladas com outras quatro de casas brasileiras com céu azul ao fundo.

À esquerda, uma foto de uma brasília amarela estacionada à beira da calçada com uma senhora sentada ao lado, olhando a rua. À direita, a entrada de uma igreja, sendo visível apenas os pés de algumas cadeiras plásticas e um cachorro caramelho deitado no capacho.

Ao comparar sua casa ao Palmital, Jabulani achou semelhanças não só estruturais históricas, mas também de costumes e até ícones cotidianos. As brasílias, por exemplos, são carros MUITO comuns na África do Sul, e quando ele viu várias delas nas ruas daquele espaço teve, mais uma vez, a sensação de pertencimento. Uma das obras retratava uma brasília amarela com uma propagando política de Lula e Kalil no vidro traseiro, uma vez que a exposição aconteceu poucos meses pós eleições presidenciais de 2022. Enquanto conversávamos sobre essa foto, ele me disse que sabia do contexto político, mas que o que impulsionou o trabalho foi o modelo do carro. Perguntei se ele sabia que aquela cor específica de brasílias era um ícone da cultura popular brasileira, e quando disse que não esse artista que veio do outro lado do oceano foi apresentado à história dos Mamonas Assassinas… Ai, gente, experiências ímpares, sabe?

Três dípticos de fotografias. A primeira da dupla é sempre uma foto, a segunda um fundo preto com sua história escrita em branco.

Duas fotografias, a primeira, média, de um picolé roxo derretido no chão, a segunda de um homem visto do peito pra baixo segurando a coleira de um cachorro, os dois em frente a uma kombi branca.

Essas experiências foram somadas ao fato de que, por causa do momento em que aconteceu, acabei me tornando a grande responsável pela produção de Casa/iKhaya Lami, mesmo não sendo oficialmente produtora cultural. O período antes da abertura foi marcado pela primeira participação da galeria na Frieze New York, em um estande solo do artista Marcos Siqueira, e as únicas pessoas que ficaram aqui no Brasil fomos eu e Leo, que era assistente de produção de lá na época. Apesar de sempre estar em contato com meus chefes, as decisões e ações tiveram que vir bastante de mim, além de ser a única pessoa durante a montagem que falava inglês e conseguia se comunicar pra valer com o artista. Não sei o quanto o processo foi importante para as outras pessoas envolvidas, mas pra mim ele é gigante e inesquecível, sem dúvidas!

(Pra vocês terem ideia, além das suas obras na fachada, havia um vídeo do Paulo Nazareth na segunda sala do espaço expositivo e o computador da galeria se recusou a gravá-lo na mídia que seria conectada ao projetor faltando poucos dias para abertura… De repente eu tinha um trabalho de um dos maiores artistas do mundo sendo gravado no meu computador e exibido na televisão da minha casa, enquanto minha cachorra assistia, como teste. Trabalho e prazer são coisas diferentes, mas às vezes se juntam demais, gente!)

Vídeo de Paulo Nazareth onde se vê Jabulani, em preto e branco, de costas para a câmera e de frente ao mar.

Uma foto minha, de cabelos cor de rosa, blusa branca, calça jeans e sapatos da mesma cor dos cabelos, em frente a duas obras de Jabulani. A primeira, uma fotografia de uma casa sul-africana. A segunda, o políptico de oitos obras já descrito anteriormente.

Sobre artista e colaborador:

Jabulani Dhlamini vive e trabalha em Joanesburgo, na África do Sul, país onde nasceu Seu trabalho se baseia na criação de fotografias documentaristas que refletem sua formação na era pós apartheid e experiências das comunidades locais sul-africanas. Foi bolsista do programa de mentoria Edward Ruiz e do Market Photo Workshop e já teve expoisções também na França, além de Brasil e África do Sul. Ocasionalmente, compartilha novidades sobre seus trabalhos no Instagram @jabulanipatdhlamini. Paulo Nazareth é um dos principais artistas brasileiros da contemporaneidade. Nascido no Vale do Rio Doce, sua obra surge, na maior parte das vezes, de gestos simples que trazem discussões elaboradas sobre colonialismo e suas ramificações. Trabalha com vídeo, instalações, objetos e diversas mídias, estando atualmente na Galeria Praça de Inhotim, e sempre ao redor do mundo. Para acompanhar suas obras e exposições, você pode segui-lo no Instagram @p.nazarethedicoesltda.

#TBT Exposição “Benção, Tché Yazo”, de Hariel Revignet

#TBT Exposição “Benção, Tché Yazo”, de Hariel Revignet

ler artigo
Exposição “Maxita Yano”, na Galeria Claudia Andujar de Inhotim

Exposição “Maxita Yano”, na Galeria Claudia Andujar de Inhotim

ler artigo
#TBT Exposição “Carinhosa-Cafuné MetaQuilombo”, de Marcel Diogo

#TBT Exposição “Carinhosa-Cafuné MetaQuilombo”, de Marcel Diogo

ler artigo

Comente este post!

  • Bruna Both

    Oi Luly!
    Deve ser maravilhoso trabalhar e poder acompanhar pessoas com um trabalho tão lindo e sensível. Mostrar reflexos das vivências por meio da arte tem um significado tãooooo forte. Emocionante ver essas fotos e tentar imaginar o peso que cada coisinha tem na vida do artista <3

    Adorei te conhecer e conhecer teu blog. Já te coloquei no meu blogroll e vou voltar por aqui mais vezes!!

    Abração

    responder
  • Fernanda Rodrigues

    Luly, eu amo vir aqui porque eu sempre conheço um artista novo. 🙂
    Eu adoro ver trabalhos fotográficos, porque em um mundo tão pautado por imagens, quando a gente vai a uma exposição, fica nítido o quanto fotografia do instagram e arte são coisas muito diferentes!
    Eu amei a sequência das fachadas. 🙂
    Um beijo,

    responder