#TBT Exposição “Carinhosa-Cafuné MetaQuilombo”, de Marcel Diogo

#TBT Exposição “Carinhosa-Cafuné MetaQuilombo”, de Marcel Diogo

Em meados de 2022, o artista Marcel Diogo teve o insight de fazer uma pintura do escritor e ativista James Baldwin, usando tinta a óleo azul sobre veludo preto. Ao sair para comprar o material, porém, acabou cruzando com a possibilidade de usar a pelúcia como suporte, cujas fibras eram mais longas e traria mais desafios. Para sua surpresa, e possuindo domínio impecável da técnica, o experimento deu certo e se tornou uma pesquisa, fazendo também rostos de Conceição Evaristo e Carolina Maria de Jesus. À época, ele estava começando a integrar o time de artistas da Galeria Periscópio (que mudou de nome para Mitre Galeria), e assim que apresentou essas obras para o diretor/galerista, se viu diante da ideia de fechar aquele ano em uma exposição solo dedicada a essa série, que recebeu o nome de Carinhosa-Cafuné – e foi assim que aconteceu!

“Ao dedicar tanto afeto aos detalhes da pintura à óleo em tecido de pelúcia, que demanda precisão ao acompanhar o movimento dos fios, o artista não só é capaz de fornecer maior realismo na imagem, como nos aponta para a direção onírica de cada uma das trajetórias das pessoas retratadas. Elas e eles possibilitaram a existência de muitos de nossos sonhos e desejos. Reafirmar o carinho, em uma pretensa redundância no título desta série, faz parte da reivindicação da dimensão afetiva que constitui essas existências. No entanto, entre olhares reflexivos, firmes ou mais atentos, as pessoas retratadas não baixam a guarda e não abrem espaço para uma contemplação descompromissada.” – Carolina Rodrigues

Fachada da exposição onde há uma obra de arte representando uma nova versão da bandeira do Brasil onde há estampa nas cores verde e amarelo, o branco no lugar do azul e os dizerem AMOR E CUIDADO na faixa. Ao seu lado, o nome de Marcel Diogo, o título Carinhosa-Cafuné MetaQuilombo e a Curadoria de Carolina Rodrigues.

A exposição se chamou Carinhosa-Cafuné MetaQuilombo, pois colocava essas personalidades negras que viveram em locais em tempos diferentes dentro de um mesmo espaço, criando um quilombo que ultrapassava possibilidades de momento. Apesar de a série que deu título a ela ser o suficiente para uma baita experiência aos visitantes, o artista incorporou ali outras duas, começando pela vitrine, que contava com a bandeira de sua República Comunitária Afro-Indígena, uma nação idealizada por ele a partir da possibilidade de não ter existido o segundo branqueamento no Brasil, no século XIX. Inspirada pela própria bandeira nacional, os dizeres “Amor e Cuidado” substituem “Ordem e Progresso” como lema, o que no contexto da época, período logo após a 3ª eleição do Lula com um batalhão localizado ao lado da galeria, atraiu o olhar torto dos que se diziam patriotas, e agradava quem tinha esperança com esse resultado recente.

Salão expositivo contando pinturas da série carinhosa-cafuné de Marcel Diogo, a parede do fundo tem três pinturas de pequeno porte e, na outra, quatro pinturas médias representando Elza Soares, Bob Marley, Milton do Nascimento (que é a única de tinta azul, enquanto as outras têm tinta alaranjada) e Frantz Fallon. A pelúcia de todas as obras é preta, assim como a parede da galeria.

Todas as pinturas dessa mostra têm como técnica Óleo sobre pelúcia, e as esculturas Mármore em base de madeira. Você pode ver fotos profissionais, em melhor qualidade, na página da exposição.

Duas das pinturas de tamanho médio, representando Sueli Carneiro, sentada apoiada em seus joelhos, e Abdias do Nascimento, em pé com o braços erguido.

Outro ângulo da exposição com obras representando Sueli Carneiro, Abdias do Nascimento, Bispo do Rosário, Carolina Maria de Jesus e Conceição Evaristo, as duas primeiras em azul e as outras alaranjadas. A pintura do Bispo Tem grande formato.

Detalhe de uma das pinturas, retratando a autora Carolina Maria de Jesus em alaranjado.

Ao passar por um par de cortinas que estavam sempre fechadas e entrar na galeria, no primeiro salão, com paredes pretas para não tirar o destaque, as pinturas esperavam o público! Bem de frente à porta estava uma em grande formato de Bispo do Rosário com os braços abertos, pois se reimaginamos uma nação, ela precisava do seu Bispo Redentor, né? Esse detalhe foi bem especial, uma vez que a curadora Carol Rodrigues é também curadora do Museu do Bispo, quando a viu pela primeira vez ficou super emocionada! Ele, é claro, não estava sozinho, dividia seu “metaquilombo” com músicos, escritores, pensadores, políticos, artistas, homens e mulheres negros em azul ou alaranjado, nenhum deles sorrindo e todos encarando o visitante, um conjunto de “preto sobre preto” que se mostrava macio, aconchegante, um “carinho”, como o nome das obras já diz. Querem saber? BONITO DEMAIS!

Leia também: Exposição coletiva maa, exposição seguinte a essa na Mitre Galeria, que anunciou a mudança de nome do espaço e contou com Marcel Diogo e eu na curadoria!

Mesa de madeira com a série Arma Branca de Marcel Diogo, um conjunto de seis facas de mármore com palavras gravadas.

Detalhe da lâmina de uma das facas de mármore onde está gravada a palavra CAPITALISMO.

A segunda salinha, por sua vez, era o contrário: iluminada, fria e cortante! Nela estava a última série da exposição, Arma Branca, composta por seis facas e um facão de mármore sobre base de madeira, cada uma com uma das armas usadas por pessoas brancas todos os dias na nossa sociedade gravada… Racismo, eugenia, capitalismo, colonialismo, entre outras, eram palavra tão duras quanto o material onde foram esculpidas, e isso mostrava o contraste enorme entre o escuro, tão mal visto, era amplo e gentil, enquanto o claro, que é considerado “bom”, pode ser hostil e apertado. A crítica social se fundia à estética, ambas gigantes, como a arte contemporânea deve ser! Marcel Diogo se mostrou ali, como sempre se mostra, um artista completo, e não é à toa que de todas as exposições nas quais atuei nos três anos que trabalhei por lá, essa foi minha favorita!

Foto de Luly Lage de braços cruzados, encostada em uma parede preta ao lado de uma pintura em pelúcia de Abdias do Nascimento com o braço direito erguido.

Pra fechar, uma foto minha ao lado de carinhosa-cafuné Abdias, meu grande favorito dessa série, relembrando a abertura de exposição mais linda que já vivi, onde eu estive mais linda também, para contar a curiosidade de como Marcel produz essas pinturas fazendo um “cafuné” com o pincel sobre o tecido, trabalhando sempre a seu favor, mas que nessa obra em específico descobriu que consegue uma textura interessante quando pinta no sentido contrário, e que o resultado foram os cabelos e barbas em “alto relevo”… O homem é BOM no que faz, minha gente, um dos melhores da sua geração e digo sem sombra de dúvidas, de Belo Horizonte pro mundo demais!

Sobre artista e curadora:

Marcel Diogo é artista visual, curador independente e professor, graduado, licenciado e mestre pela Escola de Belas Artes da UFMG, representado pelas galerias Mitre e Diáspora, que trabalha com pintura em diversos suportes, performance, vídeos e objetos variados. Seu trabalho pode ser visto no Instagram e no site. Carolina Rodrigues é historiadora da arte e mestre em Artes Visuais pela UFRJ. Foi pesquisadora integrante do Núcleo de Antropologia, Patrimônio e Artes do CNPq e atualmente, é curadora geral do Museu Bispo do Rosário, além de curar exposições em outras instituições. Vocês podem segui-la no Instagram para acompanhar esses e outros projetos.

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  • RENATA MONTENEGRO

    Eu adoro ir a museus/exposições e ver esse “outro lado” é sempre muito interessante. Fiquei muito curiosa com o processo do Marcel, e de como ele chegou até esse resultado, apenas se deixando levar e confiando em sua habilidade arte. Lindo demais!

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    • Luly Lage

      Oi, Re!
      O Marcel é sensacional, é lindo ver como carinhosa-cafuné segue sendo uma produção dele, com outras personalidades, outras cores, adicionando até elementos, agora, sabe?
      Eu vi essa série nascer e convivi com ela todos os dias por muito tempo, mas ainda me surpreendo com o quão bonito é!

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