#TBT Exposição “Benção, Tché Yazo”, de Hariel Revignet

#TBT Exposição “Benção, Tché Yazo”, de Hariel Revignet

Hariel Revignet tem ancestralidade gabonesa e nativa brasileira, uma união afro-sulamericana que protagoniza suas obras focadas em corpos femininos, com tons que variam entre o terroso e amarelo/dourado… Em 2023, porém, sua narrativa ganhou uma nova temática que segue brilhando nas pinturas da artista… Após mais de quinze anos sem visitar o Gabão, ela retornou ao país de origem de seu lado paterno como adulta pela primeira vez, e com isso se viu diante da responsabilidade de levar consigo as tradições de um povo do qual também faz parte. Dessa viagem nasceu Benção, Tché Yazo, sua exposição solo na Mitre Galeria que abriu em outubro do mesmo ano, onde as quatro paredes da principal sala expositiva do lugar receberam os temas (Casa, Mercado, Rua e Floresta), representados em acrílica sobre tela com costura de miçangas, pinturas de fundo branco e imagens em cores já típicas de seus trabalhos.

“Falar da obra de Hariel Revignet requer um olhar atento. A sua obra entrega de imediato temas sempre pertinentes e contemporâneos como ancestralidade, cuidado, comunidade, mas ao chegar mais perto percebemos alguns movimentos que nos fogem aos olhos. De perto, suas obras apontam para outras possibilidades de apreensão que estão além das tradicionais e da predominância da visão neste campo artístico. São obras táteis, onde sentir as texturas e imaginar outros caminhos, experienciar, cheirar (enquanto ato) ou sentir cheiros, ativando assim o olfato.” – Ana Paula Alves Ribeiro

Algo que tento ressaltar em posts sobre exposições das quais faço parte é o fato de que uma produção cultural vai além de colocar obras na parede e contratar um buffet pra abertura (apesar de essas serem, sim, etapas importantes do processo). Vai além até dos funcionários que têm essa função específica. Hariel passou toda a semana de montagem na galeria junto com a equipe interna e o Karl Araújo, que assistiu na execução das obras, cuidando da expografia e produzindo um Zigida gigante (sobre o qual falarei mais abaixo), para a fachada. Além disso, quartinhas femininas, sal grosso e outros elementos rituais da Umbanda foram instalados por ela. Para completar, o texto de Ana Paula Alves Ribeiro levava ao público informações sobre o universo das imagens, junto com a mediação que era feita por mim e que irei reproduzir e resumir, em forma de texto, para vocês aqui!

Na parede, uma pintura retratando uma mulher jovem sentada em um sofá ao lado de uma idosa, as duas com os pés em um rio amarelo. Ao pé da mulher há peixes e ao pé da idosa uma tartaruga. Em frente à pintura, no chão, uma instalação com elementos da umbanda , bacias e outros recipientes com miçangas, sal grosso, carvão e água.

Detalhe da tartaruga aos pés da idosa na pintura.

Em A casa Nago, o foco são as conversas com a avó, que passou esse período da viagem compartilhando com ela as tradições e histórias da família. Por se tratar de uma sociedade matriarcal, as mulheres passam esses costumes umas para as outras e se tornam as portadoras dos costumes. Na representação, seus pés estão na água, o oceano que une os dois continentes de sua origem, porém na cor amarela dos rios de Oxum. Ao lado dos pés da jovem estão alguns Peixes, seu signo solar, e dos da idosa uma tartaruga, um animal que pode atingir dimensões gigantes, mas que perto dessa senhora é relativamente pequena, para mostrar que ela é ainda maior. Entre as duas, sendo compartilhado, está um item de grande importância para esses painéis e as mulheres gabonesas: o Zigida!

Tríptico de pinturas onde, em cada quadro, é representaod uma mulher negra diferente, cada uma delas com um sombrinha sobre a cabeça e diante de uma ou mais bacias, trabalhando com contas.

Zigida é um cordão de contas que mulheres usam amarrado abaixo do umbigo em diversas regiões de África. É um símbolo de fertilidade, sedução, força feminina, mesmo, e para além do ornamento e tradição seu fazer e comercialização são partes muito forte da construção da renda dessas mulheres. Esse é o cenário retratado em O Mercado Gi’kassa. O tríptico retrata esse processo ao exibir três dessas mulheres tentando se proteger do sol diante de suas bacias de miçangas, produzindo, exibindo, vendendo e trocando esse símbolo. Um mercado vai além de um ponto turístico para quem visita o país, mas também símbolo de maior liberdade financeira, centro de socialização e exemplo de cultura local ao observar o todo, como movimento das mãos, e detalhes, presentes nos tecidos, estampas e cabelos.

“Entre o visível e o invisível, não dá mais para deixar subentendido: As fronteiras imaginadas pelos colonizadores precisam queimar, o que foi construído a partir do que foi roubado precisa ruir. As dívidas precisam ser pagas.” – Hariel Revignet

Duas pinturas quadradas na parede, uma ao lado da outra, ambas tratando pessoas andando em frente a portais gaboneses. As pinturas, assim como todas as outras da exposição até agora, estão em tons de amarelo e marrom, com detalhes em miçangas.

Detalhe de uma pintura da mesma série das duas retratadas acima, mostrando uma mulher dentro de um portal oval com uma trouxa na cabeça, com detalhes em miçangas.

O trajeto para a casa, o mercado ou qualquer outro lado, porém, precisa passar pela rua. É ela a primeira e, como consequência, última coisa que vemos quando visitamos um lugar… Por isso, nas quatro pinturas de A Rua Mponô, as menores da exposição, é ela que vemos também. Esses espaços têm a presença não só de pessoas andando, mas também portais com símbolos variados que para um visitante soam como ornamentos, mas a população local sabe o significado de cada um e os escolhe especialmente por isso. É claro que, como arquiteta e urbanista de formação, Hariel prestou especial atenção a eles, né? Vem sendo objeto em diversas outras produções desde então.

Trípticos de pinturas de grande formato, onde as laterais representam troncos de árvores, com algumas folhagens, altos de grandes raizes, e a central uma deusa em forma humana. A pintura central é levemente menor que as laterais

Vista da exposição de Hariel Revignet mostrando duas paredes, aque tem quatro quadros menores e a que exibe o tríptico anterior, de grande dimensão

Cerca de 80% do território gabonês ainda é coberto por florestas. Suas árvores são tão antigas que atingem alturas onde algumas raízes chegam a ser mais altas que um adulto humano. É possível ver esses fenômeno em A Floresta Igâ, tríptico de grande dimensão que se destaca por unir as cores usadas nas outras com tons de verde. Em alguns desses espaços é preciso de autorização especial para entrar, pois são ambientes sagrados a ser preservados… No painel central, uma deusa em forma humana aparece, grandiosa, mas em tela menor que as laterais…, Afinal, não importa o quão imponente somos, florestas são mais!

Sobre Hariel Revignet e Ana Paula Alves Ribeiro:

Ao fundo, o tríptico da floresta na parede. Em frente a ele estão duas mulheres negras que vestem roupas claras, sendo elas Hariel, a artista, e Ana Paula, autora do texto curatorial. Em frente a elas, de costas para a câmera, são visível na parte inferior da foto cabeças de pessoas que escutam sua fala

Hariel Revignet vive e trabalha em Goiânia, Goiás. Graduada em Arquitetura e Urbanismo pela UFG, mestra em urbanismo pela UFBA e com um vasto currículo institucional, seu trabalho se baseia no conceito de “Axétetura”, que busca referências cosmológicas e afro-diaspórico-indígenas, trabalhando não só com o pigmento sobre tela, mas também adição de elementos, naturais ou não, aplicados, dando textura e profundidade às produções bidimensionais. Em 2025, deu a luz à primeira filha, seguindo com a tradição matriarcal de sua família. Você pode acompanhá-la pelo Instagram @harielrevignet. Ana Paula Alves Ribeiro é antropóloga, graduada e mestre em Ciências Sociais e doutora em Saúde Coletiva. Além de trabalhar com curadoria e educativo de cinema e artes visuais, é professora, coordenadora e pesquisadora na Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ). Ela compartilha sua vida e trabalho no perfil @anapalvesribeiro.


Esse post faz parte do projeto Vênus em Arte, um canal no Youtube e podcast onde ensino história da arte através de mulheres artistas!

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  • Daninha

    As obras dela são belíssimas, mas minha favorita sempre será a dela com sua avó, com os pés no oceano. Tantos significados, tanta beleza!

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