Sobre “Literatura Limpa” e sua não-existência

Sobre “Literatura Limpa” e sua não-existência

O maior bafafá pós Bienal do Livro do Rio foi quando duas trabalhadoras de um estande de “literatura cristã” divulgaram livros que não se enquadram naquilo que acreditam ser adequado para comercialização… Críticas ao fato de ter fila para uma cartomante, problematizações sobre narrativas feministas, uso de crianças como escudo moral e, claro, uma tentativa de virada de jogo dizendo que tudo aquilo estava ali para atacar os valores delas, e não o contrário… O vídeo dura quatro longuíssimos minutos até chegar no momento em que fazem um chamado sobre a necessidade de pessoas que pensam como elas produzirem suas escritas. Veja bem, essa última parte por si só não é problema, mas em um evento que visa promover TODOS OS TIPOS DE LIVROS, se viram no direito de condenar o consumo do que não se encaixa no que uma delas chamou, em um vídeo seguinte, de “literatura limpa”.

O uso desse tipo de termo higienista não é novidade, e não é acidental. A tentativa de retratar como sujo tudo aquilo que supostamente não aborda bons costumes é mais velha que o Novo Testamento… Chamam de limpo, claro, puro, BRANCO e casto o que parece ser moral, um estilo de vida fantasioso, que nunca existiu de verdade, já que multiplicidade sempre existiu na natureza. E sabe o que é pior? O discurso funciona! A onda de conservadorismo acontece não só no Brasil, e tem atingido um número assustador de jovens, que deixam de ser nossa classe questionadora para apostar no avanço do retrocesso. Divulga-se que é seguro consumir ideias sexistas, racistas e classicistas nas redes sociais, mas perigosa a leitura de volumes que abordam diversidade política, religiosa, sexual e, claro, social. Livros deixam de ser uma oportunidade de expansão da mente e se tornam mais uma oportunidade de doutrinação.

O que tenho a dizer a essas leitoras tão revoltadas é que (não) sinto muito, mas sua literatura é suja! Afinal, para que livros existam, é preciso que a tinta suje o papel vazio com emaranhados de palavras… Limpa é a folha em branco, e ela é totalmente inútil até que seja usada para algo ao transformar-se no objeto. E para vocês aí, seja quem for, meu recado é, sempre: leiam. Leiam sobre suas crenças, todas elas, sim, leiam sobre amor, sexo, terror, fantasia, suspense, vidas reais e vidas inventadas. Leiam romances, contos, crônicas, poesias, biografias e artigos de revista. Leiam autores consagrados e os de narrativa duvidosa, se preferir. Leiam mulheres e me leiam também! Leiam papéis (ou telas de leitores digitais) sujos de palavras, travessões e pontos de exclamação. Sujos de canetas marca-texto, post-its e digitais daqueles que passaram por ali antes.

Mas Leiam!

Uma pilha de livros está organizada horizontalmente sobre uma superfície clara. Todos os livros foram escritos por Luly Lage e representam suas publicações ao longo dos anos. No topo da pilha, há um chaveiro de pompom rosa-choque e um par de óculos de grau. Ao fundo, apoiada na parede, há uma ilustração em preto e branco de duas meninas desenhadas no estilo mangá. Uma delas segura um cartaz com a frase “I wish you were here”.

(alguns dos) Meus livros, todos sujíssimos com minhas muitas palavras e enormes sentimentos!

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  • Laura Nolasco

    Esse vídeo, como outros dessa onda nojenta conservadora, me faz revirar tanto os olhos que sinto medo deles não conseguirem voltar pro lugar depois.
    Amei o texto!

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