A risada dela quebrou o silêncio típico de qualquer agência bancária fora do horário de pico. Melinda lia uma mensagem recebida no celular, ignorando completamente o aviso na parede avisando que o uso do aparelho ali não era permitido, não conseguiu segurar a gargalhada que o último meme enviado no grupo de suas amigas causou. Olhou para os lados e viu apenas um outro cliente, que havia chegado antes dela, vestindo camisa azul e pulseira de ouro masculina no pulso, com uma pasta repousada no colo, olhando para ela com ar de desaprovação. Mas já dizia sua avó: “Cara feia pra mim é fome”, não era um desconhecido sentado há duas cadeiras de distância que ia fazê-la se sentir mal por uma atitude completamente involuntária (e banal) como uma mera risada.
A gerente que eles estavam esperando chamou “Próximo!” e o homem mal humorado se dirigiu à mesa dela. Mel seguiu conversando via mensagem até que uma notificação no alto de sua tela avisou que restava apenas 10% de bateria no aparelho. “É, melhor economizar…”, pensou, o guardando na bolsa e procurou o que fazer para matar o tédio nos próximos minutos. Captou, de relance, a conversa que acontecia no atendimento do outro cliente que, pelo visto, tinha muitas reclamações. O ouviu dizendo seu nome (Dante Lama) e pensou em procurar nas redes sociais, só por diversão, mas não podia, afinal corria o risco de ficar sem bateria. Continuou escutando conversas alheias até enfim vê-lo ir embora e ser chamada, o que parecia uma eternidade depois.
Foi só ao terminar de resolver a questão que tornava necessário aquele atendimento que ela reparou, no chão ao lado da cadeira, que a pulseira de ouro de Dante se encontrava ali. Pediu a gerente para confirmar o nome dele, o que não foi possível (“Senhora, esse tipo de informação é confidencial.”), e saiu da agência em seguida repetindo mentalmente o que tinha ouvido antes para não esquecer. O certo seria deixar nos Achados e Perdidos do banco? Claro que sim! Mas ela já estava curiosa o suficiente, mesmo que sem motivos, para saber mais sobre o homem de sobrenome engraçado, decidiu encontrá-lo para devolver por conta própria.
Dentro do ônibus, Mel olhava a pulseira em sua mão com atenção. Parecia muito a que seu primo de terceiro grau, Julio, usava diariamente. Julio era veterano dela na faculdade e eles já tinham trocado uns bons beijos nas festas, então era um detalhe fácil de lembrar. Ficou se questionando se aquele homem de cara fechada teria a personalidade parecida com a do rapaz… Não, provavelmente não… Afinal, o que uma joia tão simples determinava na personalidade de alguém, não é mesmo? Chegou em casa e foi correndo colocar o celular pra carregar, respondendo às mensagens pendentes e trocando os tênis que calçava por um par de chinelos enquanto fazia isso. Ligou o computador e antes de qualquer coisa abriu o Facebook, digitando “Dante Lama” no campo de busca. E lá estava ele. Mais precisamente Dante Homem de Lama.
Pensou que poderia ser piada, mas não, realmente era aquele o sobrenome do cara… Soltou uma risada bem parecida com a que ele desaprovou mais cedo, e foi desbravar um pouco sobre sua vida, bufando de frustração ao perceber que aquele perfil informava um grande nada. Era fechado, apenas uma foto de rosto em fundo cinza, sem qualquer informação de trabalho ou relacionamento, pouco mais de 200 amigos e nenhum em comum. Na verdade era ÓBVIO que não havia ninguém em comum, porque ela nunca tinha visto um conjunto de pessoas mais sem graça em toda sua vida, todos pareciam ter feito um grande pacto de usar redes sociais de forma inútil, tinham o mesmo estilo recluso. Clicou no botão de Mensagem e escreveu para ele, avisando que havia encontrado sua pulseira e perguntando como poderia devolvê-la. Guardou na gaveta ao lado da cama e seguiu com sua vida.
Nos dias seguintes, Melinda aguardou ansiosamente por uma resposta do “Homem de Lama”, em vão. Contou para todos os seus amigos, transformando a simples história numa aventura incrível, e conferia o aplicativo de mensagens sempre que abria o celular, mas ele parecia sequer ter visualizado sua solicitação. Enquanto os dias se tornavam semanas sua vigília foi ficando cada vez mais branda, até que de repente meses se passaram e ela o esqueceu completamente. Beijou Julio em uma calourada e nem lembrou de conferir se ele estava usando algum acessório, ajudou uma amiga a escolher um presente muito parecido para o Dia dos Pais e sequer associou as duas coisas. Em uma tarde qualquer foi procurar algo na mesa de cabeceira e achou a pulseira de ouro no fundo da gaveta, esquecida, lembrando de sua mensagem de resgate ainda não respondida.
Jogou de qualquer jeito na bolsa envolvida por um papel onde escreveu o nome de seu antigo dono. Assim que precisou voltar à agência do banco procurou um funcionário e explicou a situação, deixando de informar apenas quanto tempo havia se passado, porque na verdade ela não sabia precisar exatamente quando aconteceu. Foi embora e deixou pra trás qualquer lembrança que a cabeça havia armazenado sobre Dante Lama e sua vida tão bem escondida, achando até engraçado que em algum momento isso tinha despertado tanto sua curiosidade. Não sabia se o banco ia contacta-lo ou se a pulseira voltaria para o pulso dele e, sinceramente, naquele momento não mais se importava.
Psiu! Prest’enção! Esse post foi inspirado na proposta #343 do Creative Wrinting Prompts e é uma publicidade da Aubra Jóias/. Todas as imagens de produtos aqui presentes foram tiradas do site da loja em agosto de 2020.
Camila Faria
E agora que eu PRECISO de uma continuação para essa história, como é que eu fico Luly???
Malu Silva
Amo esses acontecimentos que rolam de passagem mesmo em nossa vida, e amei como você escreveu esse texto! Já quero ler mais situações assim e ainda quero muito ler o seu livro <3
Luana de Souza
A prova de que qualquer coisas, desde as mais pequenas, podem se tornar uma história instigante. Eu amei, Luly <3