Exposição “Niki de Saint Phalle, Sonhos de Liberdade”, na Casa Fiat de Cultura

Exposição “Niki de Saint Phalle, Sonhos de Liberdade”, na Casa Fiat de Cultura

Conhecida mundialmente por criações monumentais, coloridas e super políticas, Niki de Saint Phalle foi uma artista franco-americana que transformou suas dores e sua fúria em criação, (e, ao fazer isso, reinventou também o ser mulher dentro da arte pós moderna no século XX). Sua trajetória passa por pintura, instalação, performance e escultura, e Belo Horizonte é privilegiada ao receber, na Casa Fiat de Cultura, trabalhos carregados de provocação, sendo a maioria deles vindos direto da França e em exposição no Brasil pela primeira vez. Caminhar entre as obras é revisitar a força que ela encontrou ao sair do papel de musa, após trabalhar como modelo, e assumir o lugar de criadora, rompendo com a rigidez burguesa, o silenciamento social e a própria história marcada por traumas. Posso afirmar, sem dúvidas, que essa é minha exposição favorita de 2025 até agora, depois de circular BASTANTE ao longo do ano, viu…

Veja mais detalhes no vídeo postado no Instagram Reels.

As Nanas

Um dos grandes destaques da mostra estão as Nanas, talvez as criações mais emblemáticas da Niki. Gordas, expansivas e livres, elas surgem como celebração do corpo feminino, rompendo com padrões estéticos e sociais que historicamente aprisionam mulheres. As Nanas dançam, se expandem, brilham, e na exposição, aparecem acompanhadas de vídeos da própria artista falando sobre seu processo, revelando como essas figuras nasceram também do desejo de valorizar mulheres que a sociedade insiste em invisibilizar, especialmente a mulher preta, cuja força e presença foram fundamentais para a artista. Mais adiante, em destaque, está A Fonte das Quatro Nanas, vinda da Pinacoteca de São Paulo, em pleno funcionamento, colorida e pulsante como deve ser. Ela transforma o espaço com sua mistura de visual e sonoro, vindo do correr da água, e mesmo que a expografia não sugira isso, é como estar em um parque onde ela é o aspecto visual central.

Escultura de grandes proporções composta por figuras femininas coloridas, de formas arredondadas e alegres, dispostas em círculo sobre uma base azul que funciona como fonte, com jatos de água saindo das esculturas. As figuras são pintadas com padrões vibrantes em vermelho, verde, amarelo e preto. Ao fundo, é possível ver parte da exposição com paredes verde e amarela e outras obras de Niki de Saint Phalle expostas.

Detalhe de uma escultura de Niki de Saint Phalle mostrando parte das pernas e quadris de uma figura feminina robusta. A pele é preta e a roupa, feita com texturas e cores vibrantes, lembra tecidos enrolados em tons de rosa, roxo, verde e amarelo. A escultura está sobre uma base branca de museu, com o símbolo de “não tocar” visível no chão.

Fotografia mostrando uma parede expositiva com dois painéis lado a lado. À esquerda, ilustrações coloridas de figuras femininas estilizadas, em traços característicos de Niki de Saint-Phalle, com cores intensas como rosa, azul e laranja. À direita, uma fotografia em preto e branco da artista pintando uma de suas grandes esculturas “Nana”. Ela segura um pincel e trabalha concentrada diante de uma figura feminina monumental.

Assemblages e Tirs

Outro núcleo da exposição é o das assemblages, obras que marcam um capítulo decisivo na sua criação. Assemblage é uma técnica artística que reúne objetos do cotidiano, como pedaços de madeira, tecidos, brinquedos e utensílios, e os transforma em uma nova imagem. No caso da Niki, esse gesto não foi só estético, mas também uma forma de sobrevivência ao começar essa experimentação durante um período de internação psiquiátrica. Sem acesso a materiais artísticos tradicionais, foi o recortar, colar, montar e sobrepor sua arteterapia. Ali estão presentes também vídeos de sua performance Tirs, onde produzia pinturas atirando com rifles carregadas de tinta, mais um modo de transformar violência, raiva e energia acumuladas em gesto artístico e rito de libertação. Foi muito interessante observar a desaprovação de alguns visitantes a essa prática, mostrando que a mensagem dela segue fazendo sentido 60 anos depois!

Vista de quatro obras expostas lado a lado em uma parede branca. Cada uma tem fundo claro e diferentes elementos tridimensionais aplicados sobre a superfície, como fios, brinquedos, tampas e pequenos objetos. As duas obras da direita trazem a inscrição pas fini escrita em azul, expressão em francês que significa não terminado. As peças combinam materiais diversos e têm aspecto experimental, destacando o uso de colagem e texturas.

O Jardim de Tarot

Falando agora da fase mística da Niki, marcada pela criação do Jardim do Tarot, seu monumental parque de esculturas inspirado nos arcanos do tarô, temos uma parte todinha dedicada a esse período em que ela mergulhou profundamente em símbolos esotéricos e arquétipos! A transformação de cartas em personagens-escultura vibrantes foi entregue em esculturas menores e outros tipos de obras bidimensionais, como pinturas e desenhos. Eu amo as interpretações dela do Arcano Maior da Estrela, pois é um dos meus favoritos e o que mais gosto da iconografia, são lindos, fiquei querendo um deque feito por ela pra mim… Temos também representações de signos do zodíaco, revelando como ela buscava no misticismo não só inspiração estética, e trechos dos seus diários que a própria transformou em obras lindas e mágicas… É como entrar na cabeça dessa mulher genial onde o bege não tem vez.

Imagem de uma parede de galeria de arte com quadro colorido do arcano da estrela, representado por uma mulher nua com 7 estrelas no céu escuro. Ao seu lado há a citação SE A VIDA É UM JOGO DE CARTAS, NASCEMOS SEM CONHECER AS REGRAS. SIM, PRECISAMOS JOGAR COM AS CARTAS QUE TEMOS, O TAROT É APENAS UM JOGO DE CARTAS OU HÁ UMA FILOSOFIA POR TRÁS DELE?, de Niki de Saint Phalle

No centro da imagem, protegida por uma vitrine, encontramos uma escultura representando o arcano do Diabo no tarot com cores vibrantes e formas arredondadas. Ao fundo, dispostos na parede, vemos uma série de pinturas emolduradas que parecem explorar temas semelhantes: figuras estilizadas, cores vivas e uma estética que mistura o lúdico com o simbólico.

Quatro quadros com o mesmo desenho, mas fundo em cor chapada diferente, na ordem vermelho, preto, verde e amarelo. A imagem central é circular r abstrata.

Ao fim da exposição, era possível contribuir para o muro de lamentações e folear alguns livros sobre e de autoria da própria. Lembra que contei por aqui esses dias como ler um desses livros me mostrou o quanto meu francês está melhorando? Pois bem, até isso Niki trouxe pra minha vida! Pra quem está em BH, a Casa Fiat abre de terça-feira a domingo e fica na Praça da Liberdade, número 10 (bem na lateral do Palácio da Liberdade. Niki de Saint Phalle, Sonhos de Liberdade está aberta de 2 de setembro a 2 de novembro, no terceiro andar, e conta com visitas mediadas, ateliê aberto e outras ações educativas incríveis sobre Novo Realismo e mulheres artistas.

Sobre Niki de Saint Phalle

Niki de Saint Phalle nasceu em 1930 em Neuilly-sur-Seine, França Autodidata, ela começou a criar como forma de transformar traumas pessoais em matéria artística e encontrando na cor e no gesto um caminho de recomposição. No início dos anos 1960, aproximou-se do Novo Realismo, movimento que buscava novas maneiras de representar o real a partir de objetos cotidianos, o que influenciou diretamente suas assemblages e os famosos tirs, ações explosivas que ampliaram o próprio sentido de pintura. Sua obra atravessa fases muito distintas, sempre guiada por uma busca profunda por liberdade. Niki foi uma das mulheres do século XX a viver da própria arte em grande escala, ocupando espaços públicos e museus com esculturas exuberantes que celebram o feminino de forma imaginativa e inesquecível.


Esse post faz parte do projeto Vênus em Arte, um canal no Youtube e podcast onde ensino história da arte através de mulheres artistas!

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