O Mínimo Para Viver (To The Bone)
Elenco: Lily Collins, Keanu Reeves, Liana Liberato, Alex Sharp, Kathryn Prescott, Ciara Bravo, Hana Hayes, Joanna Sanchez, Michael B. Silver, Rebekah Kennedy, Yindra Zayas.
Direção: Marti Noxon
Gênero: Drama
Duração: 107 min
Ano: 2017
Classificação: Livre
Sinopse: “Uma jovem (Lily Collins) está lidando com um problema que afeta muitos jovens no mundo: a anorexia. Sem perspectivas de se livrar da doença e ter uma vida feliz e saudável, a moça passa os dias sem esperança. Porém, quando ela encontra um médico (Keanu Reeves) não convencional que a desafia a enfrentar sua condição e abraçar a vida, tudo pode mudar.” Fonte: Filmow (sinopse e pôster).
Comentários: Antes mesmo de ter sido lançado na Netflix mês passado, “O Mínimo Para Viver” (em inglês “To The Bone”) já estava dando o que falar. O longa protagonizado por Lily Collins trata da tão falada, e ainda assim mal discutida, questão dos distúrbios alimentares através de Ellen, uma garota de 20 anos que sofre de anorexia nervosa. Após várias tentativas de tratamento impostas pela sua tumultuada família, todas frustradas, sua madrasta consegue para ela uma vaga na disputadíssima clínica do dr. Beckham, interpretado por Keanu Reeves, que tem um método muito “diferente” de tratar os pacientes, sem apelar para remédios ou medidas drásticas.
Digo “tão falada, e ainda assim mal discutida” porque é um assunto MUITO abordado na mídia e na arte, mas sempre com um foco meio errôneo. Novelas como “Malhação” sempre trazem personagens com anorexia e bulimia, e a história é quase a mesma todas as vezes: uma menina sem qualquer problema aparente, porém vulnerável aos padrões de beleza, é incentivada à prática e fica doente, mas raramente sente as consequências reais disso. Elas têm familiares e amigos que sabem exatamente como lidar, sofrem alguns desmaios que solucionam todos os seus problemas e continuam visualmente lindas, saudáveis e magras “na medida certa”. Não existem outros problemas naquela garota para serem tratados antes, durante ou depois do que rola. Mas na vida real não é bem assim.
Na vida real existe uma ramificação enorme de sequelas que viver com uma doença assim pode trazer, e é o que é abordado. A própria Ellen se corrói de remorso com o que a mistura da anorexia e arte desencadeou em sua vida e na dos outros, e ainda assim não consegue se livrar dela. Vemos vagamente que os outros pacientes da clínica também sofrem com isso, mas não é algo tão aprofundado. Se parar pra pensar isso condiz com a realidade, mesmo que a gente compartilhe das dores e problemas de alguém raramente saberemos ao fundo as causa e consequências disso. A escolha dos atores foi muito sábia nesse aspecto, assim como as tomadas feitas pela câmera… Os ossos deles aparecendo sob a pele é amargo de se ver, traz desconforto e fica quase difícil entender como alguém pode chegar a esse ponto, e aí você lembra que que não é realmente compreensível, o que torna a luta ainda mais árdua.
Dois pontos, porém, foram extremamente fracos pra mim. Primeiro um breve romance que é enfiado na história, sem pé nem cabeça, que não faz sentido, não tem base para se firmar e não dá força a nenhum aspecto da narrativa. O impacto final que isso tem poderia ser o mesmo sem esse tipo de envolvimento e seria ainda mais bacana porque teria alguma lógica, já que a amizade convence e o casinho não. E o segundo é o final. O clímax do filme é maravilhoso com uma cena SUPER forte e emotiva envolvendo a mãe da personagem, e aí o que vem logo em seguida não combina muito bem com toda a realidade que estava sendo passada até segundos antes. Os últimos minutos se arrastaram e quebraram completamente um ritmo que eu estava gostando MUITO, até que acabou e fiquei olhando pra tela um pouco decepciona. Uma pena.
Foto do Las Vegas Review-Journal
E agora um desabafo, porque acima de tudo seria impossível falar sobre esse filme sem isso. A maneira como me senti se sobressaiu a tudo, incluindo roteiro, atuações maravilhosas e fotografia belíssima. “O Mínimo Para Viver” enfiou o dedo numa ferida que eu sequer sabia que tinha, tão profundamente que chegou lá no osso, como o título sugere. Porque mesmo com mais de uma incidência com o passar dos anos eu continuava fingindo que nunca tinha tido um transtorno alimentar de verdade, mas a verdade é que tive, várias vezes.
Sendo uma pessoa que sofre de Transtorno de Ansiedade estou sempre suscetível a épocas de crises, muitas vezes causadas por “besteiras” que as ligações falhas do meu cérebro tornam algo grandioso. E um sintoma que NUNCA DEIXA DE APARECER é a falta de apetite. Já cheguei a emagrecer 5kg em duas semanas e esse ano a coisa chegou no seu ponto extremo em que havia dias onde eu fazia apenas duas refeições minúsculas, praticamente só pra fingir pras pessoas que estava normal. Um belo dia me olhei no espelho e vi que conseguia ver as costelas sem precisar forçar, algo que não acontecia nem quando eu era uma adolescente magrela. Minhas calças estão todas caindo e escolher o que vestir me leva ao profundo desespero, já que me sinto sempre horrorosa não cabendo em nada.
“Mas Luly, você não gosta de estar assim! Você nem se acha bonita estando tão magra! Não é a mesma coisa, né?” Não, não é a mesma coisa, mas não deve ser ignorado ainda assim. Durante todos os minutos de duração da história eu tentava me comparar visualmente com a Ellen com medo de estar iguala. É óbvio que a coisa fica ainda mais triste quando é imposta por uma sociedade que se preocupa mais com a magreza do que com a saúde, mas um distúrbio por compulsão ou isenção não deixa de ser um problema. Inclusive já falei sobre como me sinto em relação a isso largamente num vídeo que foi ao ar no meu canal do YouTube há pouco tempo…
Tem também o número absurdo que pessoas que já me disse ao longo da vida o quanto eu e a Lily somos parecidas fisicamente. Não sei se é realmente tão igual, mas entendo a comparação e fico feliz porque acho ela LINDA, e deixou tudo ainda pior! Só o que conseguia pensar era “Será que estou ficando assim? Será que já estou? Se ela ficou destruída dessa forma estando tão magra, vou ficar também? E se chegar nesse ponto?”… Ao mesmo tempo que não sei como mudar minha realidade… Desesperador.
Foto do Las Vegas Review-Journal
Enfim… Em resumo, “O Mínimo Para Viver” não é um filme sobre superação, romantização ou finais felizes. É para incomodar e mostrar “na prática” que a doença pode chegar níveis extremos, acarretar outros problemas ainda maiores, se tornar mais importante que seus valores próprios. É pra te jogar na cara que vem pra matar! É pra exemplificar que afeta quem se acha gordo demais, magro demais, feio demais, infeliz demais, muito demais em algo que a pessoa pode nem ser e o pior: a torna alguém ruim ou feio mesmo se for!
Aninha
Ah Luly, que resenha bombástica que você fez! Sempre tem aquele filme que nos afeta profundamente, não é mesmo? Eu sinto muito por estas coisas andaram acontecendo contigo 🙁 Mas que bom que o filme também levantou diversos questionamentos sobre isso. Espero que você consiga superar de uma vez por todas! Eu ainda não vi To The Bone, mas eu vi Okja e… caralho, que filme tapa na cara também, viu? É um filme que se trata sobre a indústria sanguinária da carne e da exploração animal. Eu vi há algumas semanas e até hoje eu não consegui sentar pra escrever uma resenha pois foi um filme que me doeu lá na alma, e me dói só de lembrar. Estou há anos querendo deixar de comer carne e derivados de animais, e esse desejo se intensificou absurdamente de uns meses pra cá. Quando vi Okja me embolei na cama e chorei horrores, me sentindo uma pessoa terrível por ainda estar alimentando essa indústria. 🙁 É uma luta muito interna.
Sara
Luly… eu também nunca tinha parado para pensar que sofria de transtornos alimentares antes de ver esse filme…. desde os meus 11 anos a minha numeração de calças é 12 (infantil) e hoje com 17 anos, essa numeração está ficando larga pra mim… Geralmente eu tenho uma compulsão alimentar e depois fico sem fome nenhuma, tomo caldo de feijão no lugar de alguma das refeições porque to ciente que preciso de vitamina e tal… me consultei e o médico falou que tenho bulimia nervosa e queria muito uma clinica do “dr. Beckham” por aqui, de verdade. Enfim, só da gente ter tomado ciência da gravidade desses transtorno, é um grande passo :3 a nossa luta é diária, força pra nós <3
Mas em relação ao filme em si, também achei o romance sem pé nem cabeça apesar dele dizer que já "conhece' ela há dois anos por causa do tumblr, achei aquela paixão assustadora e na hora que ela vai embora da clinica e ele pede pra ela ficar, eu fiquei meio 'coé a desse cara?' e ao mesmo tempo, fiquei com inveja dela, por ter encontrado um cara que a entende e que vive/viveu quase """a mesma"" realidade que ela…
Adorei a resenha e a forma como você escreveu, eu não saberia falar sobre esse assunto com tanta clareza :3
http://sariandoporaii.blogspot.com.br/
Carol Pinheiro
Fiquei muito interessada em ver, ainda mais por tratar de um assunto tão delicado. Amei a postagem, me despertou muito interesse!
Beijo!
Dai Castro
Transtorno alimentar é coisa séria e um assunto abordado de maneira muito superficial ou romantizada, (como você bem citou nas personagens jovens de novelas) é realmente importante fazer esse alerta através de um filme que incomoda e nos faz refletir.
Espero que você consiga superar essa fase difícil, cuidar da nossa saúde física e mental (nessa loucura que tem sido os tempos atuais) é essencial!
Fica bem…
Beijos ?
Colorindo Nuvens
Loma
Caramba, eu tive a mesma sensação que você: acabou e eu fiquei em negação pensando que não era possível ter sido só isso, ainda mais depois daquela cena INCRÍVEL com a mãe dela, pesada e forte. Eu até pensei comigo que esse filme super poderia ter se tornado uma série, mostrando com mais detalhes as lutas e dificuldades dela assim como desenvolvendo os outros personagens. O romance eu também achei sem pé nem cabeça, mas acho que eles tentaram passar essa imagem mesmo: a dificuldade de estabelecer um relacionamento mais profundo diante de tudo que as personagens passam. Amei sua resenha e seu desabafo! Beijos!
Gislaine Motti
Oi, Luly! Tudo bom?
Recentemente, assisti a uma apresentação de seminário cujo tema foi a adolescência e os transtornos alimentares em que o grupo usou desse filme como estudo de caso. Foi muito intenso. Ainda não vi o filme completo porque as cenas que eles mostraram realmente me chocaram bastante e me deixaram com um nó na garganta. Mesmo sem ter vivido nada dessa natureza (e sinto muito que você tenha que lidar com isso, espero que hoje em dia esses sintomas estejam mais brandos), senti que poderia ser eu, sabe? Principalmente por sempre ter tido tantas questões com minha própria aparência.
Abraços,
Literalize-se
Luly Lage
Oi, Gi!
O filme, de fato, tem umas cenas bem pesadas. A fotografia é linda, até meio poética, mas retrata uma situação tão triste que essa poesia toda deixa as coisas ainda mais tristes.
Ah, eu estou bem melhor agora! Já tem quase dois anos que voltei a comer normalmente e em breve farei meu “aniversário” de 1 ano sem crises fortes de ansiedade! Às vezes as coisas ficam mais difíceis, mas “impossíveis” como antes não mais. O mais triste disso tudo é justamente que poderia ser qualquer uma de nós…