#TBT Exposição “No meu sonho eu posso ser quem eu quiser” de Jess Vieira

#TBT Exposição “No meu sonho eu posso ser quem eu quiser” de Jess Vieira

Durante os três anos que trabalhei na Mitre Galeria – que na época da qual falo hoje ainda se chamava “Galeria Períscópio” -, produzi conteúdo para o blog de todas as exposições que aconteceram por lá, mas com exceção da coletiva maa, que marcou a mudança de nome e teve co-curadoria minha, não cheguei a postar nada disso. Como resultado, tenho uma quantidade enorme de #TBTs sobre elas para publicar agora, ao longo de quintas-feiras desse 2025 que começou com a minha saída da galeria. Não irei postar todas, é verdade, mas as que mais me marcaram profissional e pessoalmente com certeza… Pra começar, voltemos ao meio de 2022, a No meu sonho eu posso ser quem eu quiser, da Jess Vieira, um dos processos mais gentis e carinhosos que já vivi em um ambiente de trabalho.

“O gesto de generosidade do trabalho de Jess Vieira está em deslocar e enunciar perspectivas. Em um regime de delicadeza, de sonho e encontro com o sentir a artista abraça e nos convida a mirar a complexidade de que somos feitos: água, terra, vento, onda, mar e afeto.” – Lorraine Mendes

Com curadoria muito gentil de Lorraine Mendes, essa foi a primeira solo da Jess Vieira não só em uma galeria particular, mas também como um todo. Com pinturas em tinta acrílica, muitas delas adornadas com miçangas, a artista, então recém-chegada aos 30 anos, explorava a representação da mulher preta de maneira quase autobiográfica. O trabalho abordava não apenas a corporeidade, mas também suas crenças, os orixás, o céu, as águas, as flores e, por que não(?), os amores. As imagens figurativas traziam presença forte dessas mulheres com corpos nuvens e cabelos brancos, uma carga lúdica belíssima atrelada à mensagem de sabedoria e firmeza: quem visitava sabia que podia acreditar nelas, que jamais seria enganado por imagens tão confiáveis ao mesmo tempo que era seguido por seus olhares.

Vista da exposição onde é possível ver várias pinturas, entre abstratas e figurativas, e um portal com as bordas douradas ao fundo.

Vista da exposição retratando duas obras maiores, uma de um pássaro e a outra de um peixe.

“Pra ouvir é preciso rir, chorar e silenciar
Para ouvir é preciso acreditar
Para ouvir é preciso ser” – Jess Vieira

A produção de uma exposição, porém, não se resume “somente” às obras, mas também a levar as pessoas até elas. Isso a Periscópio fez bem feito do início ao fim. Nas principais avenidas que cercam a região da galeria, havia faixas com trechos de poemas e frases da artista, chamando que passava por ali com a ajuda de lambe-lambes que foram fixados por perto. Ao chegar lá, seja convidado por essa ação ao não, o visitante recebia seu próprio lambe, junto com um livreto que continha texto curatorial, escritos e desenhos. Durante a visita, e sem modéstia pois isso eu faço bem feito, a mediação era cuidadosa e receptiva, deixando todos os processos à mostra e levando o público até no escritório, onde estavam as obras que foram produzidas para ela, mas não entraram no espaço expositivo por serem muitas.

Por esses e diversos motivos, não é coincidência o fato de que essa foi a exposição mais visitada da galeria nos 37 meses em que trabalhei lá!

Pintura Meu voo livre de Jess Vieira, em formato oval horizontal, onde a pessoa retratada possui asas brancas e voa deitada com um céu azul ao fundo. Na parede, em torno da pintura, a artista escreveu em dourado FUGA PARA UM VOO LIVRE.

Pinturas o banho de mar, que retrata uma mulher agachada, abraçada em suas pernas com fundo azul, e Dengo, que retrata um casal abraçado em fundo amarelo. Na parde, ao lado da segunda pintura, a artista escreveu seu título em dourado

Móbile feito com miçangas e tecidos em forma de peixe em primeiro plano, com a sala principal da exposição ao fundo.

1. “Meu voo livre”; 2. “O banho de mar” e “Dengo” e 3. Um dos móbiles com a obra título, “No meu sonho eu posso ser quem eu quiser”, ao fundo.

Uma coisa sobre Jess Vieira que não podemos deixar de ressaltar é como ela faz questão de colocar as mãos onde está seu trabalho, seja estando presencialmente em feiras onde ele está exposto, por exemplo, ou na expografia dessa individual. Móbiles também de miçanga, com elementos que estavam presente nas obras, decoravam a entrada, causando uma sombra linda nas paredes em alguns momentos do dia, principalmente na segunda metade da tarde, quando o Sol já tinha saído do seu ápice. Ao redor de algumas obras, ela escreveu palavras sobre a temática delas em dourado, a mesma cor que escolheu para o portal que dividia os dois espaços expositivos. Até o título, seu nome, indicação de curadoria e de período de duração na fachada, que normalmente é feito através de um adesivo impresso, foram escritos por ela à mão, na véspera da abertura. Foi bem especial…

Pinturas Ontem mesmo eu floresci e Hoje mesmo eu floresci, de Jess Vieira, que retratam cada uma um rosto feminino negro, de cabelos brancos, com flores ao seu redor. A primeira tem tons de marrom e a segunda tons de rosa

Detalhe do rosto cercado de flores da pintura Hoje mesmo eu floresci

Pintura A sagrada sabedoria que transmuta os sonhos ou Formas de manter o equilíbrio, enquanto eu brinco de viver, de Jess Vieira, em uma parede de cor azul marinho como a parte de baixo da imagem. Ela retrata uma mulher negra de cabelos brancos, nua, de olhos fechados deitada de costas, apoiada pelas mão e pés.

Enfoque no rosto da mulher da pintura A sagrada sabedoria que transmuta os sonhos ou Formas de manter o equilíbrio, enquanto eu brinco de viver

4. “Ontem mesmo eu floresci” e “Hoje mesmo eu floresci”; 5. Detalhe de “Hoje mesmo eu floresci” que era simplesmente minha grande favorita na exposição (e foi uma das primeiras a ser vendida); 6. “A sagrada sabedoria que transmuta os sonhos ou Formas de manter o equilíbrio, enquanto eu brinco de viver” e 7. Detalhe.

Voltando à narrativa pessoal, em uma das poucas postagens que fiz na época, contei que estava vivendo o início de um tratamento psiquiátrico bem difícil. O que eu não disse foi que tomei as primeiras doses do meu ansiolítico justo na semana em que aconteceu essa montagem e abertura. Não foi minha primeira nesse novo emprego, mas a primeira da qual participei ativamente de cada detalhe. A soma desses dois fatores poderia ter resultado pavoroso, e o que aconteceu foi justamente o contrário… Encontrei na equipe da galeria e nas nossas “convidadas” tanta compreensão, carinho e paciência, e retribuí tudo isso pois não sei trabalhar de outra forma, que foi “No meu sonho eu posso ser quem eu quiser” que me mostrou que eu estava sendo quem agora queria (quero!) ser, e disso nunca vou esquecer!

Duas mulheres negras dando uma palestra com uma pintura ao centro, sendo elas Lorraine Mendes, curadora,, e Jess Vieira, artista

Três mulheres posando diante das obras, duas de pele negra e cabelos escuros e uma de pele clara e cabelos rosa, que está ao centro. Elas sorriem para a câmera, abraçadas. Elas são Lorraine Mendes, Luly Lage e Jess Vieira

Dia da abertura: Lorraine e Jess falando sobre curadoria e criação, respectivamente, e um abracinho duplo que compartilhei com as duas, sorrindo sem máscara em um lugar público pela primeira vez depois de mais de dois anos, pra comemorar esse momento lindo do descobrir que amo trabalhar no mercado de arte!

Veja também em vídeo:

Esse post faz parte do projeto Vênus em Arte, um canal no Youtube e podcast onde ensino história da arte através de mulheres artistas! Na época, gravei um breve vídeo que não publiquei pela mesma falta de tempo que impediu esse post de sair, mas o resgatei já editado do meu HD e agora está no ar. Sempre que pertinente, falo sobre as mulheres de mostras que frequento por lá, além do conteúdo principal sobre movimentos artísticos modernistas e artistas que faziam parte deles.

(Sim, é uma dessas obras que está atrás de mim na foto de perfil do projeto, entende o tamanho do meu amor?)

Sobre artista e curadora:

Jess Vieira nasceu em Brasília e mora em Salvador, onde atua como artista e arteterapeuta. Segue retratando o feminino em suas obras, de maneira a explorar corpo, fluidos e elementos de maneira mais abstrata, usando não só acrílica, mas também óleo. Sua formação vem da literatura e dos estudos brasileiros, sendo o eu-artista apenas uma parte do todo que é esse ser-mulher. Vocês podem conhecer um pouco mais sobre seu trabalho e saber como adquiri-lo pelo site ou via Instagram. Lorraine Mendes é atualmente doutoranda no programa da história da arte da UFRJ e curadora da Pinacoteca do Estado de São Paulo, focando sua pesquisa em raça e gênero nas artes visuais. Entre seus maiores projetos está a curadoria adjunta de DOS BRASIS, maior exposição de arte negra já realizada no Brasil que está em itinerância no SESC desde 2023. Ela posta sobre esses e outros trabalhos no Instagram.

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