Animais Fantásticos e os Perigos dos Discursos Autoritários

Animais Fantásticos e os Perigos dos Discursos Autoritários

Quando foi anunciado o título do segundo filme da nova série do mundo mágico de J.K. Rowling, Animais Fantásticos: os Crimes de Grindewald, que estreia essa quinta feira 15, decidi que não o assistiria no cinema ou pagaria por ele em qualquer lugar. Ver um ator com (mais de um!) histórico de agressão interpretando o papel título já era difícil, mas nem de longe o pior: o posicionamento de toda a equipe em relação a isso, inclusive da própria JK que sofreu agressão doméstica, me fez bater esse martelo. Eu não queria, de modo algum, compactuar com aquilo, mas semana passada recebi via e-mail um ingresso para que o Sweet Luly estivesse na pré-estreia de convidados dia 12, e me vi obrigada a repensar o assunto. Eu não podia recusar isso ao meu blog, poderia excluí-lo de futuras oportunidades. Pensei, é claro, em passar o ingresso adiante, mas minha cabeça deu um estalo ao lembrar de uma cena que já havia sido divulgada, e vi que eu poderia SIM assistir a esse filme, trazendo algo de positivo para ele ao produzir conteúdo sobre. Não e jamais uma resenha: o boicote permanece, nesse aspecto. É falando sobre política e como o contexto do mundo mágico na década de 20 se repete hoje no NOSSO mundo incluindo, é claro, aqui, nas terras tupiniquins.

Pode parecer coincidência, ou que estamos “vendo o que não existe”, mas qualquer um que conheça Joanne Rowling sabe que é mentira. Pondo todas as ressalvas que tenho à minha “ex maior ídola” à parte, não podemos negar, essa mulher respira ativismo, incluindo político! Seu perfil no Twitter contém mais críticas a Donald Trump do que material sobre Harry Potter, e com razão… Política, ao contrário do que somos ensinados a acreditar, não é somente o que nos leva a uma zona eleitoral a cada dois anos, ela REGE NOSSA VIDA! Tudo o que somos, fazemos e pensamos é político. O que acontece fora do país nesse aspecto nos atinge. O que acontece dentro? Mais ainda! E sabendo disso não há como negar que Gellert Grindelwald, esse velho novo vilão, não poderia ser nada mais que uma metáfora à onda neo fascista que está crescendo para todo lado.

Animais Fantásticos: o perigo de discursos autoritários!

Imagem via Pipoca Combo

Quando se trata de bruxo das trevas, estamos acostumados com a soberania mimada de Lord Voldemort e sua necessidade de atingir objetivos megalomaníacos “na marra”. Tom Servolo Riddle é um reflexo dos dois homens que seu nome homenageia: preconceituoso, arrogante, carregando aquele ar superior mesmo que não tenha nada e o esfregando na cara dos outros. Um mestiço com ideias puro-sangue, homem genial que comete erro atrás de erro em nome de sua obsessão com uma simples criança. Aquele que tem seus seguidores fanáticos por causa do discurso excludente, sim, mas que também se esforça para consegui-los à força: tortura, domina mente, mata, chantageia. A verdade é que por mais estrategista que ele seja, lhe faltam as famosas “papas na língua”.

Mas não em Grindewald: esse é seu maior poder. Ele é extremamente inteligente, sim, mas sequer precisaria disso, pois consegue conquistar seus “minions” de forma ainda mais perigosa, transformando falácias exatamente no que as pessoas precisam ouvir. Sabe quando você diz que é contra pena de morte e alguém automaticamente assume que está defendendo bandidos no lugar das vítimas? O papel de Grindewald é esse, inverter a visão de bem e mal em nome “do bem maior”, seu lema que já nos era conhecido nos livro de Harry Potter. Ouvi-lo dizer que não odeia aqueles que claramente julga inferiores nos faz quase esperar que essa frase seja finalizada com “tenho até amigos que são!”, como tanto ouvimos aqui e ali. Ele trata os que estão ao seu lado como “irmãos e irmãs”, ora, estamos todos em busca do mesmo objetivo, mas lá no fundo, todos sabemos, não espera de forma alguma ser visto como igual por eles, e sim como quem os lidera.

Grindewald não suja as mãos. Não em público! Ele permite que a violência exista e a pratica, claro, mas sempre com algum propósito, seja ele superar “inimigos” ou incitar ainda mais violência que vai fazê-lo parecer o verdadeiro inocente, no fim das contas. É desonesto, mas acredita tão fortemente que tem direito a essa desonestidade que todos os que são seduzidos por ele passam a acreditar também. Fala meias verdades e as mais velhas mentiras, e é aplaudido por aqueles que as compram, porque sabe como, onde e com quem falá-las. Sua asserção se assemelha tanto a de tantos outros antes e depois dele na história “trouxa” que é assustador ver como a vida imita a arte, inclusive no momento em que o nazismo foi protagonista da Segunda Guerra Mundial, que coincidentemente ou não (só descobriremos ao final dos cinco filmes) teve seu fim exatamente no mesmo ano em que, já sabemos, ele foi derrotado por Alvo Dumbledore… Ele, que é o “outro lado da moeda”, tão persuasivo quanto, mas que sabe decidir entre o que é certo e o que é fácil.

Leia também: Animais Fantásticos e Onde Habitam, resenha do primeiro filme da série pelo qual, por sinal, sou apaixonada!

A verdade é que a presença de Johnny Depp foi uma das coisas que menos me incomodou em cena, apesar de incomodar “a alma”, foi um dos raríssimos momentos em que olhei para uma atuação dele feita nos últimos 20 anos e achei aceitável. O segundo “Animais Fantásticos” é, porém, desserviço a uma história sensacional ao tentar enfiar o fan service na nossa “goela abaixo”. O que sobra em bons efeitos e atuações, falta em direção e roteiro a ponto de ser difícil de ser visto por causa do primeiro e cansativo (no sentido de forçar algo sem necessidade) pelo segundo. Mas, nesse momento, é o que menos importa. O discurso que é feito nas cenas finais do longa, e todas as atitudes tomadas antes (e depois, nos próximos três filmes que virão) por quem o faz são um alerta extremamente pertinente para os perigos que o autoritarismo nos traz e como ele pode ser sedutor onde menos se espera. Faz quem já está ciente disso se revoltar com a realidade da situação tão absurda, e quem não está ciente, quem sabe, abrir os olhos, antes que seja ainda mais tarde demais.

Animais Fantásticos: Os Crimes de Grindewald 15 de novembro, nos cinemas

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  • Kimberly

    “são um alerta extremamente pertinente para os perigos que o autoritarismo nos traz e como ele pode ser sedutor onde menos se espera. ” Eu não consigo deixar de comparar a situação atual do com trechos de obras literárias ou até mesmo em filmes. Parte de mim tenta entender alguns dos motivos que levaram as pessoas a colocá-lo no poder (porque falar nele é quase como falar de voldemort rsrs) – já que nem todos, embora uma boa parte sim, foram motivados por ódio, intolerância ou fanatismo – enquanto a outra parte do meu cérebro martela para tentar entender como não enxergam por trás do discurso. Como se deixaram convencer com aquele papo final de que irá governar para todos, sendo que tudo o que ele havia dito e feito até então contradizia isso. E acho que a única coisa que tenho a acrescentar a esse post incrível e a essa parte que extraí dele no início do meu comentário, é outra citação, de um livro bem fantasia mesmo (faz parte da Canção de Venda, da trilogia Crônicas de Amor e Ódio), mas que se encaixa nisso tudo. “Sua mordida será cruel, mas sua língua é afiada. Seu hálito, sedutor, mas mortal é a sua pegada (…) O dragão conspirará, usando muitas faces, enganando os oprimidos, coletando os perversos (…)”

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  • Luana Souza

    Você é brilhante, Luly, sério. Sinceramente, eu gostei muito pouco do filme, foi frustrante. BUT a questão do autoritarismo do Grindelwald é impostante discutir, ainda mais tendo em vista o nosso cenário atual. Fico imensamente feliz por ver uma pessoa tão incrível como você falando sobre!

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