
É estranho ter tanta coisa pra falar e ainda assim um aperto na garganta sufocar tudo isso de forma que o cérebro começa a impedir que as palavras sejam redigidas. Eu poderia apelar para o meme e dizer que das 10 maiores raivas que passei na vida, sete ela que causou, e nas outras três ficou do meu lado para que eu me acalmasse. Eu poderia aproveitar o título inspirado em “Marley & Eu” e jogar citações do livro que sei que conseguem expressar melhor o que sinto do que eu mesma jamais vou conseguir. Eu poderia tentar ser poética, algo que nunca fui, ou mesmo bancar a engraçadinha, que é como eu me viro quando tenho que encarar situações assim. Eu poderia ignorar e sequer publicar essas palavras, mas isso seria injusto demais. Seria injusto não dedicar alguns minutos à Pakita justo no dia em que fazem dois meses em que ela não está mais aqui, então é isso que vou fazer.
Ela chegou uma bolinha de pelos marrom, completamente muda e desorientada, sem saber o que estava fazendo ali. Podia entrar na lista de “piores cachorrinhos do mundo” pelo número de gritos que ouvia graças à confusão enorme que causava, completamente desproporcional ao seu tamanhozinho tão pequeno que fazia com que a gente pisasse nela várias e várias vezes ao dia. A primeira coisa que nós fizemos juntas foi (re) assistir a um filme do Harry Potter e ela viveu isso tantas vezes ao nosso lado nos últimos 12 anos que acho que nunca vamos saber realmente quantas. Ela também gostava de E.R. e sempre era possível ouvir aquele latido tão raro quando seus médicos favoritos apreciam na tela. A Pankeka era sua grande ídola, já velhinha tentando ter paciência com o bebê que tinha chegado, e ela a seguia desesperada por todos os lados imitando o modo dela se deitar. E no dia que a Pankeka morreu foi ela que veio até mim quando cheguei da escola, desesperada, para dar a notícia da forma silenciosa que ela usava para se comunicar, e mesmo anos depois se nós chamássemos por aquele nome ela corria pela casa procurando, ainda na esperança de achar a amiga perdida.
Ela nunca aprendeu o que era certo ou errado, ou até aprendeu sim, mas preferia ignorar isso e fazer o que viesse na cabeça na hora que viesse. Ela sabia que não devia deitar em cima do meu travesseiro, mas fazia isso assim que eu saía de manhã, não importa o quão suja estivesse. Ela sabia que tinha o lugar para fazer as coisas, delimitado com um jornal, mas se não queria sair do nosso lado fazia ali onde estava mesmo. Ela sabia qual comida era dela e qual não era, mas isso não a impediu de, sabe-se lá como, puxar um ovo de páscoa do alto de um criado e comê-lo INTEIRO, e sem nem passar mal depois. Ela sabia que derrubar o lixo no chão e espalhar pela casa inteira ia deixar todo mundo bravo, sem falar com ela direito, mas era só sentir saudades que fazia isso pra chamar um pouco de atenção. “Quem sabe assim eles não me deixam mais sozinha…”, acho que era isso que passava na cabeça dela. Ela sabia que a gente não ia aguentar viver sem ela, mas isso não foi suficiente para impedir que optássemos por isso quando chegou a hora. Pro bem dela, como tudo o que nós fizemos desde que ela entrou na nossa vida pra nunca mais sair. Saber que ela não estava bem era ainda pior do que a gente não estar bem por causa dela.
“Kita”, “Kiki”, “cãozinho”, o que ninguém sabia era o quanto a vida de cada um de nós girava em torno dela, e só fomos descobrir quando ela parou de estar aqui. Sessenta dias se passaram e às vezes eu levanto correndo quando percebo que a porta do quarto está fechada, achando que ela pode estar precisando entrar, ainda que a gente nunca fechasse a porta antes por causa dela. Quando não tem ninguém em casa eu ainda me preocupo em chegar a tempo de dar comida pra ela, e aí de repente lembro que não precisa mais disso. Ela não está mais do outro lado da porta esperando a gente entrar, não vai vir correndo pedir carinho quando o som da nossa voz ecoar pela casa. Quando eu entro na cozinha tomando cuidado onde piso é por mero costume, porque não tem nada para pisar ali. A casa está muito mais limpa, as responsabilidades diminuíram muito, mas o coração ficou completamente vazio. Não tem mais ninguém para lamber meu nariz quando eu falar “Fofenha!” na nossa brincadeira particular. Não tem mais chorinho carregando a uvinha de plástico pedindo pra brincar, aquela que ela amava tanto que foi enterrada ao seu lado. Não tem mais “fioti di lião” ou colo desesperado quando soltam fogos de artifício. Não tem mais Pakita, nunca mais, e não tem nem como ela consolar o choro de saudades porque dessa vez ele vem quando a gente menos espera justamente por causa dela, da falta que ela faz e nunca vai deixar de fazer.