O Conto de Carnaval

O Conto de Carnaval

O Conto Carnaval

Lá estava eu, encostada no muro que dava vista pra Praça da Estação logo em baixo, sem me mover um centímetro de lugar, porque isso poderia significar nunca mais ser encontrada pelo grupinho de amigas que me deixou ali pra ir ao banheiro. Copo na mão, já quase vazio, glitter em cada centímetro da grande quantidade pele exposta que havia no meu corpo e uma coroa de flores na cabeça. A multidão passava por mim seguindo a bateria, o trio, a música, o que tivesse som. Todo mundo bebendo e rindo, se divertindo, sempre pronto pra barrar um babaca dizendo “Não é não!” ou pra alertar o colega ao lado que ele devia conferir se o nome no cartão de crédito que ele recebeu de volta é o dele, mesmo. Belo Horizonte tem sua própria rua Sapucaí, e no carnaval ela faz jus ao nome.

Nesse aspecto, mais do que qualquer outro, é difícil acreditar que essa é a mesma cidade para qual me mudei há alguns anos. Quando vim estudar aqui ninguém ficava pro carnaval! Era possível, como dizia minha mãe, “andar pelado na rua”, de tão vazia que ficava… Ao longo dos meus anos de faculdade, porém, fui vendo o movimento crescer cada vez mais, a quantidade de bloquinhos que antes pipocavam aqui e ali se multiplicou violentamente, atendendo todos os tipos de público possível, e não havia mais um ponto onde não tivesse pessoas brilhando ao entoar marchinhas tradicionais e hits do momento. Agora lá estava ela, entre as capitais mais procuradas pra data, perdendo apenas pras grandes tradicionais.

E se BH mudou, eu mais ainda. A Lola adolescente se referia aos dias de folia com o neologismo “Carma-val”, porque odiava tudo e todos relacionados a ele. Não saía ou pulava ou dançava ou me divertia, o que eu amava era odiá-lo. Ficava cinco dias com o computador ligado conectado à internet fazendo ABSOLUTAMENTE NADA, e se alguém sugerisse o contrário recebia em resposta apenas um olhar de mau humorada. Bom, ainda bem que a gente muda. Sair de casa para ver toda a alegria que tinha na rua se tornou quase necessário ao longo do tempo, porque parada não tinha mais como manter a cabeça no lugar. Da antipatia para a tolerância, e dela pro mais completo deleite. Agora essa era eu, vestindo apenas um maiô, tênis e pochete na cintura, gritando letras que às vezes eu sequer sabia de verdade e curtindo cada dia do meu maior pagar língua de todos.

Os minutos de breve solidão me fizeram pensar tudo isso de uma vez só, então baixei os olhos pro copo pra que ninguém me visse rindo sozinha, supostamente sem motivo nenhum, mas antes que terminasse o movimento levantei a cabeça de novo. Um pequeno momento de respiro, um vazio de pessoas na minha frente, o suficiente para ver e ser vista imediatamente. Não sei dizer o tamanho do sorriso que de cara entrou no meu rosto, mas sei que foi tão aberto e impossível de disfarçar quanto o dele.

Fê e eu não nos falamos mais desde as mensagens de “Feliz Ano Novo”. Eu só sabia mais ou menos o que ele vinha fazendo na vida pelas suas poucas fotos nas redes sociais – e vice e versa. Agora lá estava, vindo em minha direção, sem me dar qualquer oportunidade de conferir se eu estava apresentável (ou sóbria) o suficiente para ser vista. Não me importava se já tinha me visto algumas vezes de manhã, acabando de acordar antes mesmo se escovar os dentes… Ele estava tão lindo que meu único pensamento era como eu queria que ele me enxergasse linda também.

No primeiro momento, ninguém disse nada. A gente só se abraçou por um tempo, sem saber como se comportar. No final, como sempre tentando quebrar o gelo, ele deu uma dançadinha ao som da música, me soltou e disse:

– Carma-val, Lola! Como eu posso te achar justamente aqui?

– Uai, é destino, sei lá!

Em minha defesa, era difícil falar qualquer coisa estando ainda sorridente. Ele encostou no muro também, ficando do meu lado tão próximo que eu só conseguia lembrar o quanto gostava daquela proximidade. Então veio gritar no meu ouvido para que eu conseguisse escutar.

– Cê tá sozinha? Sei lá, não é perigoso?

– Não, é tô com umas amigas, foram ali usar o banheiro. Aqui ficou o ponto de encontro, não posso nem me mover.

– Eu vim com uns amigos também! – ele apontou pra um grupo nem na nossa frente – Ia te chamar pra ficar com a gente! Mas sem problema, eu te faço companhia até elas voltarem…

Tomei um gole porque não fazia ideia do que dizer. Continuar com papo de alfândega, fingindo que não tinha mais nada ali? Porque eu não estava bêbada o suficiente para falar o que realmente queria, pelo menos não ainda. Enquanto meu cérebro processava tudo isso, ele se aproximou um pouco mais de mim.

– Você sumiu…

– Você também! – Engasguei ao responder.

Ele abriu a boca pra retrucar, mas uma nova marchinha começou, o fazendo rir. Eu estava muito fora de mim para entender o motivo, mas antes que pudesse questionar minha visão periférica percebeu as meninas reduzindo o passo ao vir em minha direção, percebendo com quem eu estava falando. Ele também viu e desencostou o corpo, me abraçando para se despedir.

– A gente vai conversando, Lola… Eu te chamo!

Ele começou a se afastar, mas antes disso o puxei pra dizer:

– Chama mesmo.

O que era pra ser um “beijo de bochechas” que veio em seguida acabou virando um beijo de verdade. O vi indo embora, se juntando ao seu grupo que permanecia completamente alheio à minha presença, e eu me juntei ao meu, que parecia ter feito um acordo silencioso para não comentar o que tinha acabado de presenciar. Eu já estava com um sorriso estampado no rosto, um pouco amarelo mas prestes a se tornar brilhante de novo, com o copo abastecido pelas novas cervejas que foram trazidas, me afastando acompanhada do muro e de quem mais estava ali. Minha cabeça voltou a funcionar o suficiente para entender a risada anterior, quando a música finalmente ficou clara, e também fui forçada a rir enquanto cantavam juntas ao meu redor…

“Se você fosse sincera
Ô ô ô ô Aurora
Veja só que bom que era
Ô ô ô ô Aurora

Um lindo apartamento
Com porteiro e elevador
E ar refrigerado
Para os dias de calor
Madame antes do nome
Você teria agora
Ô ô ô ô Aurora

Esse é o terceiro conto da série “Contos de Aurora”, que vai mostrar dez datas comemorativas do ano de uma mulher como outra qualquer, que eu vou conhecer junto com vocês, enquanto traço a vida dela devagarzinho… Espero que tenham tido um bom carnaval!

Maresia

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Um ano depois…

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  • Tais Amaral

    Seu blog me dá uma nostalgia tão boa que amei ler o seu conto, e voltei com a lembrança de quando eu era apaixonada por fanfics.
    Uma historia pra lá de real que não me assustaria de trombar com alguém que já passou pelo mesmo 😉

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  • Luciano Almeida Starling Lopes

    Oi!
    Que fofura de conto! Eu sempre fui a pessoa que odiava carnaval e foi exatamente nesse carnaval que acabou de passar que eu me permiti sair pra curtir, e ler esse conto logo agora foi até arrepiante de tão significativo! Amei e já quero os outros! Vou passar aqui sempre pra procurar as novidades!
    Abraços,
    Literalize-se

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  • Luana Souza

    Moça, pode me xingar, mas eu consegui imaginar você vivendo o que está no post. A Lola, pra mim, estava com aquela sua roupinha vermelha hehe *-*
    Mesmo não comemorando Carnaval (só porque ainda fico meio insegura no meio de MUITA gente, embora tenha conseguido mudar isso de um ano pra cá), dá pra imaginar um monte de histórias nos bloquinhos e Carnavais de rua. Acho que você ia gostar do livro “Carnaval” da Luly Trigo (acho que é essa o nome).
    O conto está muito fofo <3

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    • Luly Lage

      Bom, a fantasia e a relação com o carnaval da Lola (assim como algumas coisas em contos passados) são, sim, coisas minhas… Já a cerveja e o boy, iiih, tudo dela! hahahaha

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  • Malu Silva

    Que belo conto! Nunca havia lido uma história que se passasse no carnaval (pelo menos não que eu me lembre). Essa época inspira muito, né? Adorei <3

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  • Caroline Araujo

    Amei demais o conto, um conto de carnaval isso é novo para mim e eu adorei esse, fofo e divertido, parabéns.

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  • Samara Silva

    Amei essa sua postagem, sempre estou visitando seu blog e lendo suas postagens.. Seu blog está salvo em meus favoritos..

    Parabéns!

    Amo seu blog ??..

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  • Stephany Story

    Olá,
    Que conto interessante, eu particularmente não gosto de carnaval, acho bonito as fantasias e o empenho das pessoas mas não paro para curtir a folia,tentei uma vez e não curti muito, gostei bastanre desse conto.

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  • Poly

    A Lola tem muito da Luly ou a Luly tem muito da Lola rs
    Eu já tive meus momentos de odiar o carnaval e de amar o carnaval.
    Hoje eu só quero que as pessoas respeitem o horário dos blocos e vão para a casa dormir logo pq minha mente idosa quer assistir um episódio de série antes de dormir para acordar no outro dia às 6h da manhã. Mas é impossível não gostar de carnaval: são 5 dias que vc pode fazer qualquer coisa, nem que seja dormir todos os dias. É o melhor feriado já inventado pelo brasileiro.
    Bjuxxxxxx

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  • Jéssica

    Que delicia de conto, pude ler e ver a cena toda passando. ? Já tive meus momentos de odiar o carnaval, agora não o amo, mas também não odeio. Não vou para a “folia”, mas já fui uns 2 anos seguidos e a energia é bem contagiante.

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  • Amanda

    Que delícia de conto! Eu sou bem avessa ao carnaval, mas não pelo carnaval em si e sim pela muvuca hahah não curto mesmo. Mas lendo confesso que me deu até vontade de curtir algum dia hahah. Tenha muitas amigas que vão pra BH e parece ser incrível! 😀

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  • Samara Silva

    Amei essa sua postagem, sempre estou visitando seu blog e lendo suas postagens.. Seu blog está salvo em meus favoritos..

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  • Erika Monteiro

    Oi Luly, tudo bem? Que conto mais criativo. Gosto tanto quando começamos a ler e de repente quando percebemos estamos na última linha… isso significa que a escrita flui tão bem. O carnaval por aqui foi bem tranquilo e preguiçoso. Queria ter feito mais coisas mas acabei lendo alguns livros da pilha desse ano haha Ansiosa pelos próximos contos. Beijos, Érika =^.^=

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  • Erica Oliveira

    Serio que esse conto é seu?!! Adorei demais, vc está de parabéns para escrita e criatividade que realmente mostrou uma mulher comum e fácil de encontrar. Fiquei até curiosa pelos anteriores (que vou procurar) e ansiosa pelos próximos. Confesso que eu não sou chegada em carnaval, sou do time que passa todos os dias on line assistindo séries rsrs

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  • Daninha

    Aurora voltooooooooou!!
    Eu realmente senti falta dela!
    É gostoso reler uma obra da minha autora favorita, principalmente porque ela insiste em me deixar séculos esperando por uma nova história. Bom, permaneço na expectativa para a próxima!

    P. S. : I love you!

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